resenha

O Homem de Giz – C.J. Tudor

23 jul 2018
Informações

O Homem de Giz

C.J. Tudor

Intrínseca

série ---

272 páginas | 2018

4.75

Design 5

História 4.5

16

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Em 1986, Eddie e os amigos passam a maior parte dos dias andando de bicicleta pela pacata vizinhança em busca de aventuras. Os desenhos a giz são seu código secreto: homenzinhos rabiscados no asfalto; mensagens que só eles entendem. Mas um desenho misterioso leva o grupo de crianças até um corpo desmembrado e espalhado em um bosque. Depois disso, nada mais é como antes.

Em 2016, Eddie se esforça para superar o passado, até que um dia ele e os amigos de infância recebem um mesmo aviso: o desenho de um homem de giz enforcado. Quando um dos amigos aparece morto, Eddie tem certeza de que precisa descobrir o que de fato aconteceu trinta anos atrás.

Alternando habilidosamente entre presente e passado, O Homem de Giz traz o melhor do suspense: personagens maravilhosamente construídos, mistérios de prender o fôlego e reviravoltas que vão impressionar até os leitores mais escaldados.

Design

Eu simplesmente adoro as incursões da Intrínseca no universo dos livros de “luxo”. Sempre que a editora lança alguma edição com capa dura é sempre um deleite. Chega algumas vezes a concorrer com os projetos gráficos que a Darkside faz em praticamente todos os seus livros.

O Homem de Giz é um desses livros estupendos. Porque ele é todo construído de um jeito que você realmente é envolvido pela aura de mistério e de um leve terror, simplesmente por ser do jeito que é.

Vai. Aquele boneco de palito enforcado de giz branco em uma capa completamente preta não é um tanto angustiante?! E essa fonte totalmente manuscrita parecendo uma escrita nervosa em uma quadro negro?! E se o terror já não estivesse nessas simplicidades, ainda tem os bonequinhos alucinados lotando e aterrorizando a lombada! O.O

E aí você abre o livro e tem mais bonequinhos de giz na folha de rosto com uma chapada preta. Diversos bonequinhos atravessando as páginas, dando “piruetas” e sendo bizarramente sinistros!

E as folhas amareladas com a borda toda pintada de preto?! Como não ser arrastado para um clima de tensão com um livro que é um bloco físico de escuridão?!

Acho que o melhor de tudo é o miolo do livro. <3 Todos os capítulos sempre iniciam em uma página completamente preta, com todos os textos em “branco”. E os capítulos também nos dizem que ano da vida de Ed estamos acompanhando naquele momento. Eu achava maravilhoso quando eu terminava um capítulo e me deparava com aquela página completamente escura pra continuar a história.

De resto, o projeto gráfico do texto é muito equilibrado nas margens das páginas, com um tamanho de fonte muito agradável, que dá um certo peso “físico” na mancha gráfica. Lindamente aterrorizante.


História

Na minha infância meu jogo de tabuleiro favorito era Scotland Yard. Nada de Jogo da Vida, ou Imagem & Ação. Meu negócio era descobrir os assassinatos que aconteciam em Londres junto com Sherlock Holmes.

Nunca tive o jogo Detetive. Confesso que das vezes que eu joguei não entendi direitos as regras e achei um jogo meio chato. Legal era andar pelo tabuleiro e pegar as diversas pistas que ajudavam você a desvendar o mistério da rodada.

Depois, quando comecei a ter um gosto maior por leitura, passei a pegar emprestado alguns livros da Agatha Christie com a minha avó. Principalmente os com o Hercule Poirot! Adorava o temperamento sarcástico e irônico do detetive belga. :D

O engraçado é que hoje em dia thrillers não costumam estar entre minhas primeiras opções de leitura. Mas quando eu decido pegar um e ele é bem escrito e com uma história envolvente, sempre me vem aquela sensação de “por que eu não leio mais thrillers, mesmo?”.

Eu não sei você, mas eu não me preocupo em ser mais esperta do que o autor e tentar descobrir o assassino ou o mistério antes do momento que ele acha que tem que contar. Quando o livro é “fraco” e entrega as coisas, não tem muito o que fazer. Mas o que eu gosto mesmo é de ser surpreendida e de ter aquele arremate final que explica todo o plano maligno ou tudo sobre como o crime foi cometido. Eu gosto da adrenalina da história, não de gritar “eu já sabia”.

O Homem de Giz se encaixa facilmente no tipo de livro que conseguiu me surpreender. Acho que tem muito a ver com a forma como a autora acabou montando a história e contando os acontecimentos pra gente.

Você acompanha Ed falando em primeira pessoa em 1986, quando ele tinha 12 anos, e também em 2016, quando seu passado volta a lhe assombrar.

O bom nisso tudo é que Ed é um ótimo narrador. Ele consegue contar coisas completamente mundanas sobre sua vida, seus dilemas, suas aflições, seu relacionamento com os pais e com os melhores amigos, e no parágrafo seguinte começar a descrever coisas desconfortáveis e angustiantes que viveu.

“As pessoas acham que a vida das crianças é desprovida de preocupações, mas isso não é verdade. As inquietações das crianças são maiores porque somos menores.” p.67

E você meio que não está preparado pra essa mudança, porque nas frases anteriores estava tudo bem. O céu estava azul, a grama muito verde, e PAH, toma um banho de sangue na sua cara.

O mais interessante é que Tudor conseguiu escrever um Ed criança que realmente convence você que é uma criança. Pra mim isso é um tanto difícil, principalmente quando você já passou por essa fase e não lembra mais como era ter 11 anos de idade. Mas ao mesmo tempo, Ed criança é responsável por diversos questionamentos profundos sobre os adultos e a vida em geral.

Acho que o melhor de tudo é que o Ed adulto também não é lá um narrador muito confiável. Ele tem problemas com álcool e a possibilidade de desenvolver Alzheimer como o pai o assombra o tempo todo. E ele tem uma compulsão de colecionador desde jovem. Desde que o acidente na feira da sua cidade mudou sua vida.

“Ser adulto é apenas uma ilusão. Pensando bem, não tenho certeza se algum de nós de fato cresceu. Simplesmente ficamos mais altos e mais peludos.” p.168

A gente começa o livro sabendo que houve uma assassinato na cidade onde Ed mora. Em 1986 ele conta pra gente várias coisas importantes que antecederam o assassinato da Garota do Twister, e em 2016 ele vai voltar a entrar em contato com o crime que aconteceu há 30 anos.

Em tempos de Stranger Things é impossível não lembrar dos quatro meninos nerds que contam a história do seriado da Netflix. Aqui, junto com Ed estão outros três meninos com backgrounds bem distintos, e com personalidades bastante diferentes.

É fácil gostar de uns e ter um pouco de raiva de outros, e Tudor cria cenas bastante angustiantes relacionadas principalmente ao bully praticado com alguns deles. Crianças e adolescentes podem ser extremamente cruéis e sádicos às vezes. É um pouco assustador ver esse tipo de comportamento representado em pessoas tão jovens, mas não posso deixar de acreditar o quão próximos da realidade ela não chega em certas partes.

Ed não tem um vida muito simples. Sua mãe é médica e seu pai escritor freelancer, então sua família não tem uma situação financeira muito saudável. Mesmo sendo médica, a especialidade da Sra. Adams vai trazer muita dor de cabeça para todos, principalmente com o Reverendo da igreja na cidade.

“(…) Mesmo sendo criança, sentia a raiva – o veneno – dos manifestantes. (…) Entoavam um monte de coisas sobre amor, mas pareciam cheios de ódio.” p.68

O Reverendo é o pai da única menina que se relaciona com o grupo de Ed e também o interesse amoroso do garoto. Só que ela também não tem uma vida fácil sendo a “filha do pastor”.

“Como era de se esperar o lugar está vazio. Hoje as pessoas vão a outros lugares de adoração: bares e shoppings, televisão e mundos virtuais. (…) Parece que as coisas são assim na religião. Mate, estupre e mutile, mas tudo será perdoado caso você se arrependa. Isso nunca me pareceu justo. Mas, afinal – assim como na vida -, Deus não é justo.” p.137

De qualquer forma, a vida de Ed muda completamente depois de um passeio junto com os amigos na feira que chega em sua cidade. É quando ele tem a experiência de presenciar e vivenciar um acidente trágico e quase fatal para uma menina mais velha de sua escola.

“A morte acontecia com outras pessoas, não com crianças como nós, não com pessoas que conhecíamos. A morte era abstrata e distante.” p.108

Ed é peça fundamental para ajudar um professor recém chegado à cidade a salvar a menina atingida por um brinquedo quebrado. Desse dia em diante, para Ed ela passa a ser a Garota do Twister, e também é o dia que marca o início dos pesadelos e de certos comportamentos “peculiares” do menino.

É nessa cena também que Tudor mostra que consegue ir da descrição de um dia comum para um momento de tensão e carnificina só na mudança e introdução de um novo parágrafo. E essa capacidade de alternar o sentimento do leitor é a melhor arma da autora para te manter grudado a cada virada de página.

De qualquer forma, Ed e os amigos são meio que os desajustados da escola, realmente parecido com os meninos de Stranger Things. São perseguidos pelos bullies e principalmente Ed sofre na mão do irmão mais velho de um dos colegas.

“Amigos de verdade são outra coisa. Amigos de verdade ficam do seu lado a qualquer custo. Amigos de verdade são pessoas que você ama e odeia na mesma medida, mas que são parte de você tanto quanto você mesmo.” p.207

Os bonecos de giz que aparecem na capa do livro são ideia dos meninos para se comunicarem. Eles criam diversos códigos e cores com os bonecos de palito para poderem marcar encontros e passar mensagens. Só que atos violentos começam a acontecer na cidade, e bonecos de giz como os que os meninos utilizam são deixados nas cenas.

“No entanto, assim como o irmão, Mickey Metal tinha aquele brilho de loucura no olhar. E não se pode lutar contra a loucura, porque ela sempre vence.” p.131

Ainda no passado, Ed é enganado pelo irmão mais velho de Mike Metal e passa por uma das cenas mais perturbadoras e desconfortáveis do livro todos. Eu confesso que fiquei extremamente incomodada e horrorizada com o que acontece, e achei que era total justificativa para Ed não ser lá um personagem muito estável ou confiável no futuro.

A autora também gera bastante desconfiança para ele quando começa a colocar pitadas de “sobrenatural” nos pesadelos que Ed tem quando ainda é criança. Um tanto quanto premonitórios e assustadores, fazem com que a gente comece a pensar que Ed não é “muito puro”. :P

De qualquer forma, a história segue sempre alternando passado e presente, nessa forma meio fragmentada de contar a história de Ed e de seus amigos, até o momento em que o assassinato é finalmente mencionado. A partir desse momento, a gente passa a ficar praticamente o tempo todo no presente, acompanhando o desenrolar das descobertas e resolução do mistério das mortes da cidade de Ed.

Tudor vai lançando algumas iscas pro leitor ao longo das páginas, para direcionar e confundir o desenrolar da história, e isso acaba trazendo plot twists bastante interessantes. Quer dizer, se você for parecido comigo e não fica se esforçando pra descobrir tudo antes da hora.

Além disso, o final é bastante satisfatório, fechando praticamente todas as pontas soltas que vão ficando na história, tanto do passado quanto do presente. Acho que as únicas coisas que ficaram faltando pra mim foram explicações mais “reais” sobre os sonhos “premonitórios” de Ed e sobre os desenhos em giz branco nas cenas de violência da cidade.

“Não. Nenhum de nós está realmente preparado para a morte. Para algo tão definitivo. Como seres humanos, estamos acostumados a controlar nossas vidas. (…) Mas a morte não aceita argumentos. Nenhum apelo final. Nenhum recurso. Morte é morte, e ela detém todas as cartas.” p.262

Curti bastante, e é por thrillers como O Homem de Giz que eu sempre me sinto satisfeita quando decido ler livros do gênero.


Até a próxima! o/

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banner parceria editora Intrínseca 2018

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2 Comentários

  • Responder Silva 7 out 2019 at 21:48

    Parei aqui porque acabei de ler esse livro ja estou num terceiro apos esse, mas tenho um problema assim que leio outro livro minha memória deleta o anterior, tem como você mandar para mim via email o spoiler do desfecho desse livro . quem matou , quem quem era culpada etc.

    • Responder Samara Maima 10 out 2019 at 23:05

      Eita que também faz tempo que eu li e não lembro assim de pronto! O.o Vou ver se pego no livro e te respondo, tá?

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