resenha

O Talentoso Ripley – Patricia Highsmith

13 ago 2021
Informações

O Talentoso Ripley

Patricia Highsmith

Intrínseca

série Ripley #1

336 páginas | 2021

4.5

Design 5

História 4

16

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Desde a publicação de O talentoso Ripley, em 1955, e as posteriores adaptações para o cinema, como a estrelada por Matt Damon, Jude Law e Gwyneth Paltrow, de 1999, Tom Ripley conquista fãs ao redor do mundo, sendo reconhecido como um dos maiores sociopatas da literatura. Neste primeiro volume da série de cinco livros que narra sua trajetória, ele tenta se estabelecer em Manhattan após fugir de seu lar mais do que disfuncional. Bom de lábia, exímio imitador e piadista, praticante de furtos e pequenos golpes, Tom vê sua sorte mudar ao receber uma proposta inusitada. Ele deve ir a uma aldeia na Itália e convencer Dickie Greenleaf, o filho de um rico industrial, a voltar para casa e assumir os negócios da família. O problema é que o vigarista é seduzido pelo estilo de vida refinado do playboy.

A relação de amizade entre os dois se complica com a interferência de Marge, a típica boa menina americana, rica e apaixonada por Dickie. Não demora para o fascínio de Tom pela vida de Dickie assumir contornos de obsessão. Quando este percebe o perigo e tenta se afastar, já é tarde demais: Tom vê na rejeição a motivação que faltava para dar vazão aos seus desejos mais sombrios e rouba não só o dinheiro do amigo, mas também sua vida e personalidade.

Com O talentoso Ripley, Patricia Highsmith faz a introdução sangrenta e repleta de adrenalina dos percalços desse jovem capaz de tudo para manter seu estilo de vida. Matar ou se reinventar em diversas personalidades não serão empecilhos.

Design

Projeto gráfico integrado. Taí uma coisa bonita de se ver. Se não para uma série, mas quando também é construído para uma autora. É muito legal ver a Intrínseca dando esse tipo de amor para Patricia Highsmith.

Eu comentei sobre a capa tipográfica feita Em Águas Profundas, e a estética também está aqui em O Talentoso Ripley, unificando e criando coerência para os livros da autora.

Você pode dar uma olhada na outra resenha para ver o que comentei sobre a capa. Só tenho a acrescentar aqui que o miolo é relativamente “simples” em comparação com arte da capa, mas ainda assim, é da alta qualidade que a editora sempre faz em seus livros.


História

Vamos começar aqui falando sobre alinhamento de expectativas e suspensão de descrença.

O Talentoso Ripley foi originalmente publicado em 1955. Então, para você, jovem millenial ou zenier, muitas coisas que acontecem ao longo da história de Tom Ripley vão parecer inverossímeis ou inacreditáveis.

Mas, provavelmente, no período que foi lançado, faria todo sentido o personagem conseguir se safar de praticamente todos os seus “crimes”.

Tecnológica, cientifica e socialmente falando, 1955 era uma época mais “simples”. Você não tinha tanta disponibilidade de voos intercontinentais, o pessoal ainda precisava entrar num barco para cruzar o Atlântico. Cartas precisavam ser escritas à mão ou datilografadas, e demoravam 4-5 dias pra chegar, isso nos grandes centros. A forma de envio de mensagem mais rápida era por telegrama, e as ligações telefônicas eram caríssimas.

Imagina ter um banco de dados de impressões digitais ou um controle migratório das pessoas? Sequenciamento de DNA? Nem pensar.

Ou seja, se você pretende ler o livro da Patricia Highsmith entenda que o plot só funciona em um mundo que não reflete NADA do que temos hoje em dia.

Dito isso, caramba, como Tom Ripley é um ser humano perturbado (ou complexo, se você preferir)! E como a Patricia Highsmith tem a capacidade de envolver a gente na trama de forma que você vira cúmplice de tudo que o personagem faz ao longo da história.

Assim, eu gosto de thrillers, e sempre que eu posso, leio algo do gênero. Mas uma coisa que O Talentoso Ripley me fez perceber é que eu prefiro estar “na cabeça” dos policiais ou da pessoa responsável por desvendar os crimes, e não ser a pessoa responsável por eles.

Ainda mais quando você está “na cabeça” de Tom Ripley e a decisão de usar meia preta ou matar uma pessoa é praticamente a mesma coisa. Não existe diferença de peso moral pro protagonista.

Eu fui catar no Google uma definição pra sociopata (porque a gente usa os termos indiscriminadamente) e ele me disse que:

Quem tem transtorno de personalidade antissocial (sociopatia) costuma mentir, infringir leis, agir impulsivamente e desconsiderar sua própria segurança ou a segurança dos outros.

O que basicamente define TODAS AS AÇÕES que Tom faz ao longo de sua história.

A gente começa a história sabendo que ele está mantendo um golpe contra o imposto de renda, fazendo pessoas enviarem cheques para uma identidade falsa que criou, e pagar multas que não existem. Ele não desconta os valores dos cheques, porque ele tem medo de ser pego, mas saber que as pessoas são ingênuas a ponto de enviar já o deixa muito satisfeito.

Tom fugiu de um lar disfuncional e desde então vive de bicos e de se aproveitar de amizades. E é por conta de uma delas que ele tem a oportunidade da mudar sua vida.

O pai de um rapaz que Tom conheceu acredita que ele é um grande amigo de seu filho e quer ajuda para trazê-lo de volta para os EUA. O Sr. Greenleaf se dispõe a pagar por todos os custos da viagem de Tom contanto que ele convença Dickie a abandonar a Europa e voltar pra casa.

E é aí que a gente começa a ver as nuances e características da personalidade de Tom Ripley. Porque todos os traços de sociopatia começam a aflorar ao longo das páginas, além de comportamentos extremamente narcisistas também.

Olha, foi ficando cada vez mais difícil empatizar com o protagonista. Porque você vai se tornando cúmplice e conivente com tudo o que ele faz e, sei lá, não é um sentimento que me deixa muito confortável ou tranquila.

Não que os outros personagens sejam muito melhores. Obviamente, estamos conhecendo todos pela ótica distorcida de Tom, então talvez isso não ajude. Dickie e Marge são as pessoas com quem Tom mais interage no começo da história. Dickie é o rapaz que ele tem que convencer a voltar pra casa, e é um playboy que tem uma auto-estima invejável e acredita que pode viver da sua arte, mas não abandona a mesada que o pai manda mensalmente.

Marge também é uma jovem rica e estadunidense, passando um período sabático na Itália para escrever um livro e, na visão de Tom, apaixonada por Dickie. Quando Tom chega, o relacionamento dos três fica um pouco desestabilizado, porque ele e Marge passam a competir pelo interesse e atenção de Dickie.

Tom tem sentimentos negativos muito intensos em relação à Marge, o que parece em alguns momentos quase uma certa misoginia. Ele faz de tudo para tentar afastar Dickie da amiga, tentando monopolizar o relacionamento com o rapaz.

O que acaba também gerando uma suspeita de que Tom é homossexual. E esse comportamento é completamente indesejado pelos personagens. Dickie tem uma reação de repulsa quando se depara com Tom experimentando suas roupas, e sempre que homossexualidade é comentada na história é de forma pejorativa e com ares de nojo.

Eu fiquei em muitos momento em dúvida se Tom não era realmente homossexual e seu fascínio por Dickie não ia além do rapaz ter sucesso, dinheiro e liberdade. Porque Tom tem ciúme do relacionamento do rapaz com outras pessoas, se incomoda quando precisa dividir a atenção dele. Não sei bem, mas também não é um assunto muito aprofundado pela autora.

De qualquer forma, invejar o dinheiro e a liberdade são os principais motivos para Tom começar a pensar que, ao invés de ser amigo de Dickie, ele quer SER Dickie.

E é quando ele começa a perceber isso que a gente entende o quanto Tom não tem filtro e é basicamente movido por impulso. E é nesse momento que você é completamente envolvido nas ações sem volta do personagem e passa a ser cúmplice e culpado junto com ele.

O mais perturbador nessa questão da impulsividade de Tom tem muito a ver com estilo narrativo da Patricia Highsmith. Ela tem uma prosa muito elegante mas ao mesmo tempo, ele é um pouco monótona. Não chega a ser um fluxo de pensamento, mas é quase como se você não percebesse entonações na narrativa, e tudo fosse um pouco monocórdico.

Você não tem momentos de grandes picos de tensão e ansiedade. Você está ali, num quarta ensolarada, e de repente, o protagonista mata uma pessoa. E você fica tipo, “o quê?”. De onde veio isso? E porque eu tou me sentindo culpada?!

E é a partir desse momento que eu passei a torcer contra Tom Ripley. 😅

Mas a história simplesmente não me deixa ficar feliz porque ela força a barra e a amizade com a suspensão de descrença que ela realmente passou a me exigir.

Sério, eu queria fazer uma resenha sem spoilers mas não dá, preciso comentar que Tom passa e personificar Dickie depois de seu assassinato. Ele assume seus documentos, seu dinheiro, e se apresenta como Dickie Greenleaf. E ninguém desconfia!

Tom só vai somando e acumulando as mentiras e meias verdades que ele precisa construir para acobertar tudo o que fez fingindo ser Dickie. Acompanhar como sua mente funciona para montar as histórias que precisa contar em sua defesa chega a ser um pouco assustador e perturbador de quão criativas e quase “sem falhas”.

Foram páginas e páginas em que eu simplesmente desejava que alguém desconfiasse do quão maquiavélico e doentio era o personagem. Mas aparentemente TODAS AS PESSOAS são naturalmente boas e ingênuas.

Isso significa que eu não tive meu momento de redenção. Sofri até as últimas páginas com meu desejo vazio de ver Tom pagar por qualquer delito que ele tivesse cometido.

Assim, Tom não é Dexter que você consegue dar aquela “passada de pano” porque tem o código moral para libertar seu “dark passenger“. Tom pra mim é só um personagem imoral, narcisista, manipulador e aproveitador. E, sei lá. Eu gostei de acompanhar a história e lutar com as improbabilidades da trama funcionar hoje em dia. Até posso dizer que gostei de passar raiva do personagem.

Patricia Highsmith realmente criou um protagonista marcante, envolvente e que faz a gente ficar irritado. Mas isso não foi o suficiente pra me fazer querer ler os outros quatro livros da série. Eu prefiro estar do “lado da lei”.


Outros livros da autora

  • em águas profundas - patrícia highsmith

Até a próxima! o/

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