resenha

Expiração – Ted Chiang

21 nov 2021
Informações

Expiração

Ted Chiang

Intrínseca

série ---

416 páginas | 2021

4.75

Design 5

História 4.5

14

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Depois um dos contos de História da sua vida e outros contos ter inspirado o filme A Chegada –, Ted Chiang volta a nos apresentar nove histórias, sete delas publicadas entre 2005 e 2015 e duas inéditas.

O conto que dá título ao livro, ganhador do prêmio Hugo em 2009, é a mensagem alarmante de uma civilização muito mais avançada e já extinta de seres com órgãos mecânicos. Com cilindros de ar no lugar de pulmões, eles acreditam que viverão para sempre, até que um cientista resolve investigar a si mesmo e faz uma incrível descoberta: o ar respirável só existe porque seu fluxo no universo está em desequilíbrio, numa espécie de osmose.

Já “O Grande Silêncio” mostra os esforços dos seres humanos em busca de vida inteligente alienígena, apesar de não conseguirem conviver sequer com outras espécies no próprio planeta. Em “A ânsia é a vertigem da liberdade”, Chiang cria um mundo onde se questiona o tempo inteiro a existência do livre-arbítrio, uma vez que existe um dispositivo que permite que as pessoas se comuniquem com versões de si mesmas em universos paralelos. Se hoje dispomos de gadgets com inteligência artificial em uma fase quase inicial de desenvolvimento, em “O ciclo de vida dos objetos de software” vemos como a ideia de animais e pessoas robotizadas com níveis de inteligência artificial elevados ao extremo nos faria repensar os conceitos de “ser vivo” e “direitos”.

Misturando doses certas de ficção científica às nossas questões mais antigas enquanto espécie e indivíduos, a narrativa de Chiang impressiona e estimula profundas reflexões sobre o homem, a humanidade, a sociedade e o livre-arbítrio.

Design

Às vezes a simplicidade é a coisa mais bonita que se pode ter.

Já falei diversas vezes o quanto gosto de capas tipográficas e Expiração é linda exatamente por usar só tipos e duas cores. Detalhe para as bolhas efervescentes se descolando do título, do nome do autor e do logo da Intrínseca para mostrar as partículas da nossa expiração sendo soltas na escuridão do universo!

Aliás, esse elemento é o que vai unir todo o projeto gráfico, aparecendo na folha de rosto, agradecimento, sumário e em todas as aberturas de capítulos/contos.

A chapada de preto também é um elemento agregador que está não só na capa mas também nas aberturas de capítulo, como uma forma de demarcar “fisicamente” onde um novo conto começa. Todos os contos começam nas páginas ímpares do livro e eu gosto bastante dessa constância no padrão da estrutura gráfica.

De resto, o miolo é do tipo padrão de alta qualidade da Intrínseca, com ótimas margens, fonte legível e com um tamanho confortável para a entrelinha. Todos os elementos informacionais foram organizados juntos no rodapé da páginas, com a paginação, nome do autor e título do conto.

Vale comentar também que no fim do livro tem uma sessão de notas sobre os contos, onde Ted Chiang comenta sobre os temas que influenciaram para a criação de cada uma das histórias da coletânea. É interessante para saber de onde ele tirou a ideia pra falar de cada assunto da forma como conduz em cada conto.


História

E eu demorei pra escrever essa resenha.

Esse é um ótimo jeito de dizer que provavelmente eu já esqueci tudo que li e tal. Mas também é uma forma de dizer que eu precisei de tempo.

Quando em 2016 eu li História da sua vida e outros contos, e vi A Chegada, eu fiquei tão encantada e envolvida com os contos de Ted Chiang que peguei o autor e coloquei num pequeno pedestal de CARACA. E fiquei aguardando quando um novo livro dele chegaria por aqui.

Quando a gente faz uma coisa dessa, você acaba criando um pequeno monstro da expectativa dentro do seu coração e isso é uma das piores coisas que se pode fazer.

Tanto com você quanto com o autor ou com a obra.

Você tem 50% de chance de se decepcionar, e gerar um frustração e certa paralisia.

E foi exatamente o que aconteceu comigo. Expiração continua sendo um livro com uma nota altíssima na minha opinião. Os contos reunidos aqui são muito bons. Mas eles não geraram a mesma sensação que eu tive e que transformei em uma bolha de irrealidade dentro da minha cabeça.

Talvez por isso eu tenha demorado tanto para sentar e escrever uma resenha. Portanto, leve isso em consideração e tenha paciência comigo enquanto eu navego pelas minhas lembranças e pelas marcações que fiz ao longo das leituras.


O mercador e o portal do alquimista

E se um alquimista tivesse construído um portal que permitisse uma pessoa viajar 20 anos no futuro ou no passado, você se arriscaria a usá-lo?

A ideia aqui é que passado / presente / futuro não podem ser mudados, se você viajar no tempo você somente é um espectador dos acontecimentos e o que ocorre, deve ser do jeito que é. Um certo determinismo, talvez?

Para convencer o protagonista sobre os poderes do portal e suas “limitações” o alquimista conta a história de três outros personagens, e com essa sobreposição das quatro histórias juntas, a gente conhece o destino final do personagem principal. É um dos melhores contos do livro.

Nada apaga o passado. Há arrependimento, há expiação e há o perdão. Isso é tudo, é o bastante. p.47


Expiração

Esse é o conto que dá nome à coletânea e fala de um universo onde as pessoas todos os dias precisam abrir seus peitos e trocar o par de pulmões que carregam por aí. Todos os dias eles precisam ser preenchidos novamente de argônio (o ar que essas pessoas respiram) para que ela consigam continuar vivendo. Isso faz com que as pessoas desse universo sejam praticamente “imortais” porque se não esquecerem de trocar seus pulmões, podem continuar vivendo indefinidamente. Essa é uma forma de o autor contextualizar que tudo nesse universo é diferente do que temos aqui.

O protagonista é um anatomista e uma de suas principais questões é sobre como se forma a memória e porque depois de algumas dezenas de anos as pessoas passam a esquecer as informações do passado. Ao mesmo tempo, as pessoas estão começando a perceber algumas discrepâncias na medida do tempo, com relógios atrasando sem conseguir entender o motivo.

Chiang vai criar um paralelo sobre o consumo de ar, as memórias e o atraso no tempo para falar sobre entropia. Se você é como eu e tem um pouco de dificuldade de entender essa conceito sobre equilíbrio e caos talvez o conto possa ser um pouco confuso. Mas a criatividade para criar as pessoas desse universo é muito interessante.

(…) Contemple a maravilha da existência e alegre-se por ser capaz de vê-la. Sinto que tenho o direito de dizer-lhe isso, porque no momento em que escrevo estas palavras, faço o mesmo. p.72


O que se espera de nós

Esse é um dos contos mais curtos do livro e ele vai tratar de live-arbítrio. Aquela eterna dúvida se fazemos o que fazemos por uma predeterminação divina ou se realmente tomamos alguma decisão nas nossas vidas.

(…) Minha mensagem para vocês é: finjam que têm livre-arbítrio. É essencial para vocês se comportarem como se suas decisões tivessem importância, mesmo sabendo que não têm. A realidade não importa: o que importa é a sua crença, porque acreditar nessa mentira é a única maneira de evitar o coma lúcido. p.78


O ciclo de vida dos objetos de software

Esse definitivamente não é um conto. Com mais de 100 páginas, O clico de vida dos objetos de software está mais para uma novela, e vai tratar sobre inteligência artificial.

Você lembra dos tamagochis? Ou daqueles jogos de pets que se jogava no Nintendo DS? A ideia aqui é que uma empresa de tecnologia criou os digientes, seres digitais com inteligência artificial que aprendem e se desenvolvem de acordo com o tipo de envolvimento e dedicação que seus “donos” lhes dão.

A história passa por diversos anos do desenvolvimento dos digientes. Como os seres humanos se relacionam com a novidade, alguns tratando como brinquedos que podem ser abandonados. A gente acompanha dois personagens e um grupo de que fazem parte, que percebem que os digientes são mais do que simples seres digitais a partir do momento em que eles passam a desenvolver consciência.

Se um ser tem inteligência e consciência, ele não deveria passar a ter direitos e proteção perante as nossas leis? Se temos responsabilidade pelas crianças que colocamos no mundo, preparando e ajudando a desenvolver suas mentes, não seríamos responsáveis pelos digientes também?

(…) E mentes não crescem do mesmo modo que ervas, que florescem não importa a atenção que recebam. (…) Para que uma mente pelo menos se aproxime do seu verdadeiro potencial, ela precisa ser cultivada por outra. p.129


A babá automática patenteada de Dacey

Aqui, numa Londres vitoriana e com uma pegada steampunk, um cientista cria uma babá robótica e automática para facilitar a vida dos pais (porque afinal, os pais colocam filhos no mundo mais ninguém quer ter a responsabilidade de realmente criar essa criança, não é mesmo?).

Para mostrar a capacidade da invenção, o cientista coloca o próprio filho à cargo de sua babá automática. Além de acompanhar como a sociedade aceita ou não essa inovação, a gente também descobre como uma criança que não tem o contato social com seus pais e só é mantida vida por um robô pode se sair e desenvolver.

Eu acho interessante porque já vi alguns pais com seus filhos pequenos. A impressão que eu tinha é que estar com as crianças era a ÚLTIMA coisa que os adultos queriam. Pressão social para trazer outros seres humanos para o mundo pode ser muito prejudicial, tanto para os pais quanto para as crianças que vão crescer nesse meio…


A verdade dos fatos, a verdade dos sentimentos

Nesse conto, acompanhamos duas narrativas que aparentemente podem não ter nada em comum. Em uma delas, estamos em um futuro parecido com os que a gente vê em Black Mirror, em que a tecnologia vira uma “simbiose” com nossa mente e memórias.

O que muda quando tudo que você experiência na vida passa a ser gravado e pode ser acessado? Nossas memórias são reconstruções do que nos lembramos, e muitas vezes podem ser recriadas e modificadas para melhorar nossa opinião sobre nós mesmos.

A outra fala sobre como uma tribo recebeu uma missionário colonizador europeu em seu meio. Como isso foi um embate entre a forma como a memória e as histórias contadas pela tribo era passada oralmente, e a forma como o homem lia e escrevia as histórias e, no papel, essas eram as verdades absolutas.

Como é para uma sociedade que é basicamente oral e que se baseia na memória de quem conta as histórias ser “invadida” pela possibilidade de passar a registrar tudo em papel?

Acho que o mais interessante nisso tudo é que a partir do momento que aprendemos a ler e escrever, provavelmente todo nosso processo cognitivo é “alterado” para utilizar essa tecnologia. Eu não consigo imaginar como deve ser ter que usar tanto da memória e da imaginação para guardar tudo o que hoje em dia registramos para liberar espaço mental.

E, ainda mais, quando hoje nem mais escrevemos/lemos porque tudo é vídeo ou áudio. Tudo está salvo na nuvem e é só perguntar pro Google/Siri/Alexa e a informação chega rápida e facilmente pra você.

Relembrando e revisando o livro agora, acho que esse é o meu conto favorito da coletânea.

As pessoas são feitas de histórias. Nossas lembranças não são o acúmulo imparcial de cada segundo que vivemos. são uma narrativa que montamos a partir de momentos selecionados. (…) E as narrativas que construímos, por sua vez, ajudam a moldar a nossa personalidade. p.246


O grande silêncio

Esse é o segundo conto curtinho do livro e talvez o mais triste.

Nós seres humanos nos voltamos para as estrelas em busca de vida inteligente no universo, quando possivelmente existe vida inteligente aqui, junto conosco na Terra. Ted Chiang usa o paradoxo de Fermi para construir o argumento de O grande silêncio. A ideia do paradoxo de Fermi é que o universo é enorme e deveria ter surgido vida inteligente fora da Terra. Ou essas vidas já surgiram e se extinguiram antes de chegar até aqui, ou ainda vão surgir e estamos sozinhos no universo. Seres humanos são muito autocentrados e prepotentes, não é mesmo?

Alguns humanos teorizam que as espécies inteligentes acabam se extinguindo antes de poderem se expandir pelo espaço. Se isso estiver correto, então a quietude do céu noturno é o silêncio de um cemitério. p.275


Ônfalo

Esse acho que foi o conto mais difícil pra mim. Sou uma pessoa agnóstica com um pezinho no ateísmo, e ler coisas que tratam sobre deus e religião costuma ser um tanto de desafio.

Em Ônfalo, Ted Chiang propõem um universo em que o planeta e os seres humanos foram mesmo criados por deus há uns oito mil anos atrás, como a crença criacionista que a bíblia sugere, e ainda assim, existem cientista estudando diversos fenômenos, inclusive arqueologia. Uma mistura de religiosidade e ciência, que aparentemente andam de “mãos dadas” seguindo os designos de deus.

O que eu acho interessante desse conto é que ele reforça minha opinião de como somos prepotentes ao achar que tudo o que existe foi criado para nós. E sim, eu passei a narrativa inteira incomodada com os monólogos da personagem com seu deus.

(…) Mesmo que a humanidade não seja o motivo da criação do universo, eu ainda quero entender de que modo ele funciona. Nós, seres humanos, talvez não sejamos a resposta para o “por quê”. mas continuarei buscando a resposta para o “como”.

Essa busca é o propósito da minha vida, não porque vós me escolhestes, Senhor, mas porque eu mesma escolhi. p.317


A ânsia é a vertigem da liberdade

O último conto é o segundo maior e também achei que tem essa pegada meio Black Mirror ao juntar a tecnologia com a questão do multiverso.

Sabe quando você chega em momentos de decisão da sua vida? A escolha que você não fez deve ter sido feita por você em outro universo. Isso é um assunto que também é tratado no livro Matéria Escura do Blake Crouch e eu sugiro MUITO que você leia. Assim como Recursão do mesmo autor.

De qualquer forma, nesse universo, desenvolveram um mecanismo que permite que uma pessoa entre em contato com sua versão de outro universo para saber o que aconteceu de diferente a partir do momento que o aparelho foi ligado. A pegadinha é que a você no universo que seu aparelho abriu pode não ser a mesma você que aparece no aparelho que outra pessoa ligou!

Isso acaba gerando um mercado paralelo de venda de aparelhos com “versões melhores” de você, e essa é a base da narrativa aqui. Pode ser um pouco lento e confuso no começo, mas depois, quando as coisas começam a fazer sentido, fica mais fácil de acompanhar.

(…)Quando tenho uma chance de fazer a coisa errada ou a coisa certa, estarei sempre fazendo as duas coisas em universos diferentes? Por que deveria me preocupar em ser bacana com outras pessoas, se todas as vezes estarei sendo sacana também? p.384


Não deveria ter procrastinado para escrever a resenha. Mas ao mesmo tempo, reativando minha memória ao repassar pelos contos para escrever, meio que agradeço ao meu eu do passado por isso.

Mesmo sendo só uma “passada de olhos”, já foi possível reviver a experiência dos contos e relembrar os temas e algumas coisas que refleti no momento que li pela primeira vez.

Se você nunca leu nada de ficção científica, talvez Ted Chiang seja uma boa forma de começar a se aproximar do tema, porque ele não vai levar você numa narrativa de hard-scifi, mas vai construir um universo de possibilidades e derivações da nossa realidade como uma boa história scifi costuma fazer.


Outros livros do autor

  • história da sua vida e outros contos - ted chiang

Até a próxima! o/

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