resenha

Nada Ortodoxa – Deborah Feldman

28 dez 2020
Informações

Nada Ortodoxa

Deborah Feldman

Intrínseca

série ---

304 páginas | 2020

4.25

Design 4

História 4.5

14

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Deborah Feldman cresceu sob um código de costumes rígidos, que regulavam praticamente tudo que dizia respeito à sua vida, desde o que ela poderia vestir e com quem poderia falar, até o que lhe era permitido ler. Integrante de um grupo de judeus hassídicos — corrente ultraortodoxa da religião — e criada pelos avós, cuja lealdade às tradições muitas vezes intrigava a mente curiosa da jovem, Deborah escondia volumes de Jane Austen e Louisa May Alcott para imaginar uma vida alternativa entre os arranha-céus de Manhattan.

Ao fim da adolescência, submetida a um aspecto comum a diversas tradições conservadoras, Deborah se vê presa em um casamento disfuncional com um homem que mal conhece. O isolamento e a intransigência da comunidade deixam o jovem casal despreparado para o relacionamento, bem como para as responsabilidades paternas que se seguem. Quando consegue enfim se afastar do bairro onde sempre morou e organizar uma rotina com algumas liberdades, a tensão entre os desejos e os compromissos religiosos de Deborah aumenta. Até que, farta de ver o marido colocar a estrita observância da tradição acima do bem-estar da família, ela decide abandonar tudo que um dia chamou de vida.

Ousado e em certa medida catártico, o livro de memórias de Deborah Feldman lança luz ao funcionamento de grupos religiosos ortodoxos que costumam ser tão misteriosos quanto intrigantes para quem vê de fora — uma narrativa tão forte que deu origem a uma minissérie de quatro episódios na Netflix. Por meio de sua impressionante história de fuga da repressão, em busca de autoconhecimento, Nada ortodoxa fala de liberdade e independência, mas também de laços e senso de pertencimento, levando-nos a refletir sobre o equilíbrio tênue entre essas noções.

Design

Uma das coisas que eu sou muito grata à Intrínseca é a sobrecapa de livros. Antes, sempre que algum livro era transportado para outra mídia, cinema ou série, a editora lançava uma nova edição com a capa pôster.

E eu entendo que é uma ótima forma de marketing pra você atrair aqueles desavisados que passeiam pelas livraria e esbarram no pôster do filme ou série que gostou muito na capa de um livro.

Mas cá entre nós, eu sempre acho a maioria dessas artes muito sem graça em comparação com a arte que normalmente é a original dos livros.

Então, obrigada à Intrínseca pela sobrecapa de Nada Ortodoxa! Eu confesso que não sei se é mais barato imprimir as sobrecapas, ou fazer uma edição de, sei lá, 3 a 5 mil livros com a capa exclusiva do pôster. Mas é uma solução que me agradou demais!

De qualquer forma, eu preciso dividir que não entendi muito bem a arte da capa. 😅 Inclusive é um pouco difícil de ler o título com a quebra na palavra e a ocupação das letras na capa.

Quanto ao miolo, é o padrão de qualidade da Intrínseca. Fonte legível e agradável para a leitura, informações no topo da página e mancha gráfica equilibrada nas páginas.


História

(…) Reflito se talvez o que o Zeide previra não tivesse acontecido, que os livros lentamente entorpeceram minha alma até eu não ser mais suscetível à religiosidade diante de mim. (…) Todos à minha volta continuam puros e imaculados, mas eu fui contaminada pelas palavras e fiquei cega e insensível para tudo que é sagrado. p.102

Às vezes eu não consigo explicar pra mim mesma porque faço as escolhas de algumas leituras. Foi um pouco assim quando escolhi Boy Erased, Somos Guerreiras e, agora, com Nada Ortodoxa.

É verdade que eu posso “usar” a parceria com a Intrínseca para sair da minha zona de conforto e solicitar livros que eu provavelmente nunca daria uma chance.

Mas o que todos os três livros tem em comum é o “gosto ruim” que eles deixam enquanto você lê e quando você termina.

Não porque os autores não sejam bons. Mas porque você está lendo sobre a vida de uma pessoa. Ela está ali, nas páginas, desnudando sua alma e seus sofrimentos e dividindo com a gente.

Eu nunca saio muito bem dessa experiência, apesar de saber o quanto ela é forte e importante.

Principalmente quando a jornada dos autores tem a ver com uma quebra com um modelo radical ou ortodoxo de religião. Eu sempre fico me questionando durante todo o processo de leitura por que, em 2020 (esse ano merdalhudo 💩) ainda existe religião?

Eu não estou questionando religiosidade ou fé. Eu estou questionando as instituições; os homens sacerdotes que ditam a vida das pessoas a partir de livros escritos há “milênios”; os dogmas e os “porque deus quis”.

São essas estruturas religiosas que me assustam, entristecem e surpreendem negativamente. Acompanhar a história de Deborah, que nasceu em uma família extremamente ortodoxa (ainda não consegui entender se juntar as duas palavras é redundância), é bem sofrido e entristecedor.

Eu fiz uma resenha muito emotiva e pessoal em Boy Erased contando como a religião foi um momento ruim e que eu precisei me libertar pra me encontrar (não que eu tenha me achado ainda). Eu não vou me repetir aqui. Se você quiser conhecer um pouco sobre a jovem Samara, dá um pulinho lá.

Mas eu pude ver em Debora o mesmo caminho de busca e libertação que eu tive enquanto ainda era uma jovem católica.

Eu tive uma colega judia na faculdade que passou por uma transição contrária. Ela era de uma linha “reformada” ou moderna, e ao longo dos anos eu a vi se voltar pro ortodoxismo e se tornar outra pessoa, muito mais contida, fechada e com ideias que eu não conseguia entender porque uma pessoa “regrediria” para isso, porque abriria mão de liberdade pela contenção da religião.

Deborah mostra pra gente a vida dentro de uma comunidade ortodoxa. O quanto sua vida é limitada por ser mulher. Desde não poder aprender ou ler livros em inglês, por não ser uma língua pura, a não saber nada sobre seu corpo ou suas “funções biológicas” femininas.

As mulheres sabem o mínimo para transitar na sociedade e para ter a função primária que é a reprodução. Elas são treinadas para se casar, preferencialmente com um estudioso dos livros sagrados, e praticamente “servir”.

E Deborah, conforme os anos vão passando, começa a se questionar porque algumas coisas são do jeito que são. Principalmente porque ela já não vem de um lar estruturado.

Sua mãe fugiu da comunidade um pouco depois que ela nasceu, e seu pai tem algum déficit intelectual. Os dois são um fator de muita vergonha e humilhação, tanto pra Deborah, quanto pra toda sua família.

Ela mora com seus avós paternos, e tenta evitar a todo custo um pai que ela não reconhece e que não quer se relacionar. E passa seus dias indo para a escola, aprendendo o mínimo, e tentando esconder o fato de que gosta de ler.

Para ser sincera, um diploma não terá a menor utilidade, pois nunca terei permissão de procurar um trabalho além das raras posições disponíveis para mulheres em nossa sociedade. A mensagem é clara: qualquer esforço direcionado à minha educação a partir desse ponto será uma total perda de tempo. p.127

Coisas que me chamaram a atenção porque fazem com que toda a situação de Deborah seja muito exótica:

  • Ela não conhece o noivo com quem vai se casar. Toda a escolha é feita pela família através de uma casamenteira.
  • Depois de casada ela é forçada a raspar a cabeça e usar perucas sintéticas, porque “nenhum homem deve ver seu cabelo além de seu marido”.
  • Quando Debora menstrua, ela se torna impura e o marido não pode encostar nela até que tenha passado por um ritual de limpeza.
  • Diversas coisas precisam ser aprovadas pelo rabino para que possam ser feitas ou consumidas. Inclusive, se houver dúvida sobre o ritual de limpeza ele também deve ser consultado se a mulher precisa passar por tudo de novo.

O senhor podia exigir juramento ao servo ao qualquer momento. Tinha o A mulher se torna nidá, ou “relegada”, assim que a primeira gota de sangue deixa seu útero. Quando está nidá, seu marido não pode tocá-la, nem mesmo para lhe oferecer um prato de comida. Ele não pode ver parte alguma de seu corpo. Não pode ouvi-la cantar. A mulher fica proibida para ele. p.158

Vendo a história de Deborah eu me questiono se religiões assim só continuam existindo porque “impedem” o contato de seus integrantes com o mundo exterior, criando uma bolha de proibições e “inimigos”, fazendo quase uma lavagem cerebral nas pessoas que estão dentro dessas comunidades.

Acho que o que mais me deixa perturbada é ver o nível de desequilíbrio de poder entre homens e mulheres ao longo da vida de Deborah. Fora a questão da educação e de servir, mulheres são apartadas nos templos religiosos. Quando podem ir ao templo, são mantidas fora da visão dos homens, em um lugar apertado e desconfortável.

Mulheres são consideradas “sedutoras” e que só querem tirar o homem do caminho do divino. Por isso devem se cobrir e nunca mostrar sua pele.

A Torá diz coisas horrorosas sobre mulheres como eu; diz que sou uma Jezebel, uma sedutora perversa, arrastando meu marido comigo para o pecado. Se engravidasse, a criança seria impura por toda a vida. p. 248

Eu tou lembrando e suspirando e pensando “por quê?!”! 😩

Passar pelo casamento com Deborah foi um processo muito sofrido também. Além da falta de qualquer privacidade, porque o marido sempre dividia tudo com a própria família, ter que ver que eles não tinham nenhuma química ou afinidade era muito triste.

Eu pensava que seria Eli quem finalmente me amaria apesar de minha incapacidade em ser comum, como me prometeu quando nos conhecemos e o avisei que seria uma pessoa difícil. Mas provavelmente o que ele queria dizer com ser capaz de lidar comigo não tinha a ver com amor, mas com poder de me submeter a seus desejos e me conformar ao seu mundo. p. 208

Principalmente no relacionamento sexual dos dois, que além da cobrança era um ato extremamente sofrido pra Deborah. Por nunca ter sido ensinada nada sobre seu corpo, por não saber como funciona todo o processo sexual, ela e o marido passaram muito tempo sem conseguir consumar o casamento.

Fico com a sensação de que a única coisa que deseja de mim é se satisfazer fisicamente, e, no minuto em que isso acontece, sou abandonada. Eu o odeio por me fazer sentir tão insignificante, mas quando lhe digo como me sinto, ele ri com condescendência. p. 221

E tudo sempre recaía como culpa de Deborah, enquanto o marido era o “coitado” que pegou uma esposa “com defeito”.

Tá sentindo o desconforto daí? Porque aqui tá voltando tudo.

Todas essas coisas Deborah conta pra gente de uma forma muito crua e direta. Às vezes até parece que ela é uma observadora da própria história de tão “separada de si” que ela soa como narradora. Provavelmente só dessa forma que ela conseguiria mergulhar nas próprias memórias e fazerem elas ressurgirem em forma de narrativa.

Acho que a única coisa que eu fiquei sentindo falta, na verdade, foi uma real conclusão / redenção na história. Porque quando ela chega no processo real de como ela cortou os laços com tudo e todos já é praticamente o fim do livro, e você fica com aquela sensação de que ainda ia ser um caminho difícil, mas ela decidiu não contar sobre isso.

Nos epílogos, Deborah comenta que escreveu seu livro muito jovem, praticamente logo que saiu da comunidade para tentar se libertar, então essa parte da jornada, de se divorciar legalmente, pedir a guarda do filho (que é uma coisa que ela comenta ser quase impossível) e se tornar uma “gói” (como eles chamam as pessoas fora da religião), ainda iria acontecer.

Então você fica sem saber como foi o processo em si. Se ela está em Berlim hoje com o filho, tudo deve ter dado certo no final, e ela comenta por alto que foi difícil, mas eu queria passar com ela como passei por todo o resto da sua vida. E queria saber se ela ainda mantém contato com os avós.

Talvez essas respostas estejam na série da Netflix. Ela comenta sobre a realização da série, de ter sido baseada em seu livro e também na história de outras pessoas que se libertaram do judaísmo hassídico.

Acho que como a história de Garrard em Boy Erased, a de Debora aqui em Nada Ortodoxa é de extrema importância e relevância. Com um viés mais voltado para o machismo patriarcal e o apagamento feminino, mas ainda um questionamento sobre todo o peso e terror que a religião coloca nas pessoas.

O quanto impactou em suas vidas. O quanto fez com que elas precisassem se libertar para poderem se conhecer e descobrirem seu potencial.

Educação, dizem, não leva a nada de bom. Isso porque a educação é o primeiro passo para sair de Williamsburg, o primeiro no caminho da promiscuidade que o Zeide sempre jurou ser um clico infinito de tropeços que leva o judeu para tão longe de deus que sua alma entra em um coma espiritual. Sim, a educação podia matar minha alma. p.93


Pra variar eu me perdi em pensamentos e sofrimentos e provavelmente essa resenha não está fazendo lá muito sentido. Mas deem uma relevada. Pensem que se um livro faz esse tipo de “estrago”, o quanto ele não é importante e relevante em nossos dias.


Até a próxima! o/

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