resenha

Território Lovecraft – Matt Ruff

9 out 2020
Informações

Território Lovecraft

Matt Ruff

Intrínseca

série ---

352 páginas | 2020

5

Design 5

História 5

14

Compre! Amazon

Nos Estados Unidos segregados da década de 1950, Atticus é um rapaz negro, veterano da Guerra da Coreia, fã de H. P. Lovecraft e outros escritores de pulp fiction. Ao descobrir que o pai desapareceu, ele volta à cidade natal para, com o tio e a amiga, partir em uma missão de resgate. Na viagem até a mansão do herdeiro da propriedade que mantinha um dos ancestrais de Atticus escravizado, o grupo enfrentará sociedades secretas, rituais sanguinolentos e o preconceito de todos os dias.

Ao chegar, Atticus encontra seu pai acorrentado, mantido prisioneiro por uma confraria secreta, que orquestra um ritual cujo personagem principal é o próprio Atticus. A única esperança de salvação do jovem, no entanto, pode ser a semente de sua destruição — e de toda a sua família. E esta é apenas a primeira parada de uma jornada impressionante. Estruturado ao mesmo tempo como uma coletânea de contos e um romance, Território Lovecraft apresenta, além de personagens memoráveis, elementos sobrenaturais, como casas assombradas e portais para outras realidades, objetos enfeitiçados e livros mágicos.

Um retrato caleidoscópico do racismo — o fantasma que até hoje assombra o mundo —, a obra de Matt Ruff une ficção histórica e pulp noir ao horror e à fantasia de Lovecraft para explorar os terrores da época de segregação racial nos Estados Unidos.

Design

Acho que Território Lovecraft é quase um dos melhores projetos do ano! Além de ser em capa dura, ele é bastante redondinho em seu desenvolvimento. Me acompanha no que tem nele:

Na capa

  • Arte totalmente integrada com o conceito pulp e dos posters de filmes de horror da década de 1950. O livro parece gasto, como se tivesse passado por muitas mãos até chegar em você.
  • Gestalt muito maravilhosa na ilustração, que mistura os tentáculos normalmente associado às criaturas extra-dimensionais criadas por Lovecraft, e os capuzes dos racistas da KKK.
  • Fontes do título em caixa alta com 3D de profundidade e projeção chamando bastante atenção.
  • Inclusive, o azul da altura da fonte aparece na pintura trilateral nas páginas.
  • Relevo seco em diversos elementos, alguns projetados e outros “afundados”
  • Os tentáculos de Cthulhu avançam na quarta capa mantendo a coerência da frente, e a sinopse vem sobre um papel de carta, como se fosse o papel timbrado de alguma sociedade secreta.

Acho que a única coisa que me “incomoda” é um adesivo dizendo que o livro vai virar série na HBO. Mas entendo os propósitos de marketing.

No miolo

O que tira um pouco da “glória” é o miolo, apesar de ele ser bastante correto. Mas ainda assim, a guarda tem um tratamento para parecer uma folha amarelada e engordurada, como se tivesse ficado manchada pelo uso.

Só que as “firulas” meio que terminam aí. Confesso que eu esperava uns tentáculos espalhados ao longo das páginas pra criar um elemento gráfico que se propagasse além da capa.

Como o livro é uma sequência de contos, cada um inicia com um título com uma fonte que, se não é a mesma do título da capa, é muito próxima! Em sequência vem um epígrafe para contextualizar e introduzir o tema do conto. E todo o início de parágrafo de uma “cena” tem um capitular que lembra a fonte slab-serif usada no nome do autor.

A mancha é muito boa, ocupando a página com margens equilibradas. E a fonte escolhida pro texto é muito gostosa de ler e está num tamanho ideal para você atravessar as páginas sem perceber.

Quanto ao nome do autor e do livro, eles estão no rodapé junto com a paginação. Eu gosto quando o projeto tem essa inversão e coloca as informações na parte de baixo da página. Acho que ajuda a interferir menos no fluxo de leitura.

Agora, não acredite de forma alguma que eu tiraria nota do livro só porque a expectativa criada com a capa foi grande. Ele ainda merece 5 pelo conjunto da obra. Só ficou faltando o fitilho pra fechar com grande estilo.


História

Muitas pessoas brancas, em especial, os homens, sorriam para ela ao passar. Mas a mudança mais notável ocorreu naqueles que a ignoravam, pois o faziam de uma maneira diferente de como teriam ignorado Ruby. Não houve nenhum olhar desconfiado, ninguém fingindo que ela não estava ali ao mesmo tempo que se perguntava o que ela estaria tramando; as pessoas sentiam que não precisavam prestar atenção nela. Era livre para dar uma olhadinha por aí, não apenas nas lojas, mas no mundo inteiro. p.225

Sendo muito sincera aqui (porque é o único jeito que dá pra ser no meu próprio blog), eu só escolhi Território Lovecraft como leitura por dois motivos: 1. era em capa dura e tinha uma arte muito maneira; 2. ia sair série na HBO e eu gosto de ler as séries/filmes antes de ver.

Não estava levando tanta fé. Ainda mais quando eu descobri que eram contos. Eu não costumo procurar esse tipo de narrativa mais curta. Quando não são bem fechados ou desenvolvidos, sempre fica aquela sensação de que ficou faltando alguma coisa.

Outra coisa que me deixou “receosa” foi o autor. Não conheço Matt Ruff, mas o “problema” foi que ele é um autor branco escrevendo várias narrativas que seguem personagens negros. Em tempos de “lugar de fala”, eu tinha medo de ver conteúdo estereotipado, ou sem contexto.

Então, não tinha expectativas nenhuma.

E ainda, eu vinha de uma série de livros que não funcionaram bem e ficaram com uma média de avaliação mais baixa.

Acho que por conta disso tudo, Território Lovecraft conseguiu ser exatamente o que eu precisava, mas que não esperava.

O meu receio de contos? Totalmente infundado. Sim, eles são meio que independentes, porque alternam o protagonista e os pontos de vistas, mas ainda assim, todos eles derivam do primeiro conto que dá o nome do livro.

Você poderia ler em qualquer ordem, mas eles são muito mais interessantes se lidos na ordem que são apresentados.

No total, temos 7 personagens (Atticus, George, Montrose, Ruby, Letitia, Hippolyta, e Horace) protagonizando cada um um dos contos do livro. Todos são de alguma forma parte de uma mesma família e seus agregados. E todos acabam envolvidos em uma trama sobrenatural e fantástica nos Estados Unidos da década de 1950.

Atticus está voltando para casa depois da guerra da Coréia. George é editor e pesquisador, junto com sua esposa Hippolyta, do “Guia de viagem do negro precavido”, um livreto que lista estabelecimentos seguros para negros em diversas cidades dos EUA. Montrose, pai de Atticus e irmão de George, faz parte de uma loja maçônica e é um sobrevivente do massacre de Tulsa.

Letitia e Ruby são irmãs que se relacionam com a família de Atticus. E Horace é filho de George e Hippolyta. Ele quer ser um quadrinista no futuro.

Um dos personagens da história tem um grande apreço pelos textos de Lovecraft, então você pode esperar que os contos vão ter um quê de horror ao longo das páginas.

Parêntesis rápido pra comentar que ainda não li nada de Lovecraft, mas, segundo o livro (se eu puder considerar como uma fonte), o autor era extremamente racista e é um dos pontos que cria atrito entre Atticus e Montrose.

– As histórias são como pessoas, Atticus. Nós até podemos amá-las, mas não podemos alegar que são perfeitas. Sempre tentamos enaltecer suas virtude e relevar seus defeitos, mas isso não faz os defeitos desaparecerem. p.18

Mas o terror mais horrível e paralisante que Matt Ruff construiu aqui é o racismo. Em todos os contos o preconceito contra os negros é retratado de alguma forma. Por se passar em um EUA que se encontrava no meio de um período extremamente segregacionista, ver como o racismo podia afetar os personagens de diversas formas me enchia de angústia, terror e revolta.

Um dos meus contos preferidos uma das personagens consegue uma poção que permite que possa ter outra aparência. Então ela passa a ser uma mulher ruiva e vê a transformação na forma como as pessoas brancas a tratam, porque passou a ser “uma igual”. É mortificante.

Então, meu outro receio, sobre o autor não conseguir contar uma história convincente pra esses personagens, também foi completamente infundado. Inclusive, ele me fez querer entender ainda mais sobre assuntos que ele fala ao longo do livro.

Toda hora os personagens falam sobre as leis de Jim Crow e os estados americanos em que elas são praticadas. E você vivencia junto com eles como era viver durante a década de 1950m quando os EUA ainda viviam em um sistema extremamente segregado e com um separatismo social institucionalizado, difundido e praticado pelos brancos.

Tem horas que dá uma raiva! 😡

Porque se a gente for ver, estamos no fim de 2020 e quase tudo que o autor descreve de situações racistas ainda acontecem. Não só nos EUA mas por aqui também.

O livro ressoa demais com tudo o que aconteceu do movimento black lives matter, e das revoltas que continuam aparecendo quando mais um negro é morto ou mal tratado pela polícia nos EUA.

Eu gostei MUITO de Território Lovecraft. Foi um livro que me fez ir além da história pra poder entender o contexto do que estava acontecendo com os personagens.

Porque eles podiam estar enfrentando situações insólitas e surreais, mas todo o contexto social e histórico dos EUA dos anos 1950 está ali, estruturando e desenvolvendo os personagens e suas histórias pessoais.

– Ele não sentia medo por ele. Era por mim. Ele queria me proteger. E conseguiu: tinha salvado a minha vida ao me tirar da linha de fogo. Mas a noite ainda não tinha acabado, e ele sabia que não seria capaz de cuidar de mim até tudo terminar. Aí residia o horror, a coisa mais abjeta: ter um filho que o mundo quer destruir, e saber que é incapaz de ajudá-lo. Não existe nada pior que isso. Nada pior. p.279

Sim, existe um terror psicológico nos contos, uma ambientação e construção gradual da ansiedade e da apreensão, que culminam numa situação fantástica e inusitada.

Mas vale o reforço. O pior terror em todo o livro é o do racismo que os personagens sofrem e enfrentam o tempo todo.

Recomendo demais a leitura, e se você quiser se envolver com outra história que trata de racismo e desenvolve mais o massacre de Tulsa, vale ver a série The Watchmen, da HBO.

E agora eu posso ver a série mais tranquila e saber se fizeram uma boa transição entre as mídias.

– (…) Agora que elas sabem da sua existência, virão atrás de você, mas não como eu fiz. Não vão tratar você como um membro da família, nem mesmo como um ser humano, e não vão deixá-lo em paz até arrancarem de você tudo o que quiserem. Ando quer que vá, nunca estará a salvo.

(…)

– Ah, sr. Braithwhite. Está mesmo tentando me assustar com isso? Acha que eu não sei bem em que país eu vivo? Eu sei. Todos sabemos. Sempre soubemos. p.355


Até a próxima! o/

banner parceria intrínseca 2020

Onde comprar: Amazon (compras feitas através do link geram uma pequena comissão ao blog ^.~)

Livros em oferta na Amazon
O blog participa do Programa de Associados da Amazon, um serviço de intermediação entre a Amazon e os clientes, que remunera a inclusão de links para o site da Amazon e os sites afiliados.

Você também vai gostar

Nenhum comentário

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre Parafraseando Livros

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading