resenha

Vox – Christina Dalcher

17 abr 2020
Informações

Vox

Christina Dalcher

Arqueiro

série ---

320 páginas | 2018

3.25

Design 3.5

História 3

14

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Uma distopia atual, próxima dos dias de hoje, sobre empoderamento e luta feminina.

O SILÊNCIO PODE SER ENSURDECEDOR #100PALAVRAS

O governo decreta que as mulheres só podem falar 100 palavras por dia. A Dra. Jean McClellan está em negação. Ela não acredita que isso esteja acontecendo de verdade.

Esse é só o começo…

Em pouco tempo, as mulheres também são impedidas de trabalhar e os professores não ensinam mais as meninas a ler e escrever. Antes, cada pessoa falava em média 16 mil palavras por dia, mas agora as mulheres só têm 100 palavras para se fazer ouvir.

…mas não é o fim.

Lutando por si mesma, sua filha e todas as mulheres silenciadas, Jean vai reivindicar sua voz.

História

– E daí que eles são conservadores. Na maioria brancos. Na maioria héteros. (…) – Quem você acha que são os mais irritados agora? No nosso país? (…) – Os brancos héteros. Estão morrendo de raiva. Acham que sua masculinidade está sendo afetada.

(…) – Daqui a alguns anos vai ser um mundo diferente se a gente não fizer alguma coisa. Expansão do cinturão da bíblia, uma representação de bosta no Congresso e um bando de garotinhos famintos por poder que estão cansados de ouvir dizer que precisam ser mais sensíveis. (…) E não pense que serão todos homens. As Recatadas do Lar vão estar do lado deles. pg.25

Sabe quando uma leitura está indo tão bem e do meio pro fim ela dá uma derrapada que você não entende como a autora deixou a história escapar do controle?

Pois é. Vox tinha tudo pra ser uma ótima distopia contemporânea baseada em diferença de gênero, religião, extrema direita e um estado ditatorial. Christina Dalcher estava construindo toda uma realidade absolutista e conservadora, onde as mulheres perderam o direito ao controle de si próprias.

Mas ela não conseguiu sustentar a narrativa da opressão direito. Ela tentou focar na libertação e salvação dos personagens e do país. E quis dar um final feliz, e não somente a suspeita de que tudo poderia vir a ficar bem.

A autora não conseguiu ser uma Margaret Atwood em seu fechamento. Não quis arriscar um final em aberto que pudesse trazer algum tipo de insatisfação com sua história.

Só que, pra mim, a conclusão simplesmente ficou apressada e conveniente, pra uma história que tinha começado tensa e assustadora.

E olha que eu detesto finais em aberto! Só que aqui, assim como em O Conto da Aia e em O Poder, de Naomi Alderman, um final aberto talvez fosse o que realmente melhoraria o trecho final da história de Jean (me chuto mentalmente sempre que penso que não escrevi resenha pra nenhum dos dois livros).

Catherine Dalcher pegou vários assuntos contemporâneos, fez uma super mistura e construiu o início da estrutura da sua distopia.

A base aqui é que nos EUA o próprio povo, defendendo pensamentos de extrema-direita conservadora, elegeu um presidente que decidiu, apoiado por um dos pastores evangélicos mais proeminentes (no livro), silenciar as mulheres.

Sei o que a escola de Sonia está aprontando. Sei porque o contador no pulso fina dela mostra o número 3.

Minha filha ficou em silêncio o dia todo. pg.90

Das mais diversas formas possíveis. Tirando seu direito ao trabalho, à um conta corrente, ao voto, à liberdade, e à voz. Todas as mulheres tem em seus pulsos um dispositivo contador que só permite que elas pronunciem 100 palavras por dia. Ou há consequências. Dolorosas.

Ele faz um gesto desdenhoso, como se estivesse falando de um acessório de moda trivial, e não de um instrumento de tortura.

Claro, nós só sentimos dor se violarmos as regras. pg. 60

As mulheres pertencem aos homens. Se não a seus maridos, aos seus pais. Nas escolas, as meninas tem somente aulas que ensinam o mínimo necessário para que sejam boas futuras esposas.

– Você acha que eu deveria cuidar do jardim e cozinhar mais? Acha que o trabalho que eu faço é menos importante do que… por exemplo… artesanato?

– Você, não, mãe. Outras mulheres. As que só querem sair de casa e ter algum tipo de identidade. pg.40

Nessa realidade opressora, não só as mulheres, mas toda a comunidade LGBTQ+ foi aprisionada. Com metade da força de trabalho sendo impedida de trabalhar, os homossexuais foram confinados em “campos de concentração”, onde são forçados a produzir alimentos e qualquer tipo de produto manufaturado.

É um tipo de tentativa de cura-gay, onde nas celas são mantidos homens e mulheres, para forçar o convívio e inibir a interação e o interesse com o mesmo sexo.

Foi bastante sofrido de acompanhar a construção de como o mundo de Jean se transformou, a partir de escolhas da própria população, e da inação de pessoas que poderiam participar e impedir que esse tipo de mudanças acontecessem.

– Deixe-me dizer algumas coisas sobre o século XXI. (…) – Não sabemos mais quem são os homens e quem são as mulheres. Nossos filhos estão crescendo confusos. A cultura da família teve uma ruptura. Houve um aumento de engarrafamentos, poluição, crianças autistas, viciados em drogas, pais solteiros, presidiárias femininas, tiroteios em escolas, pessoas obesas, endividadas e homens com disfunção erétil.

(…) Ninguém na plateia do estúdio estava prestando atenção ao que Jackie dizia sobre estatísticas distorcidas ou a falácia de correlação-causalidade ou o fato de que, claro, ninguém tomava inibidores de serotonina em 1960 porque eles não existiam.

Foi assim que tudo começou. Três mulheres com uma pilha de gráficos de pizza e pessoas como Olivia. pg.44-45

Jean conta também o quanto o novo “regime” afetou sua vida pessoal, com seu marido, três filhos e uma filha. De como as escolas podem distorcer e manipular jovens mentes.

Steven, o filho mais velho de Jean, é dono de boa parte da minha aversão na parte inicial do livro. Dezessete anos e é um personagem asqueroso ao ser completamente manipulado dentro do sistema opressor das mulheres.

Talvez tenha sido isso o que aconteceu na Alemanha com os nazistas, na Bósnia com os sérvios, em Ruanda com os hutus. Às vezes eu refletia sobre isso, sobre como crianças podem se transformar em monstros, como aprendem que matar é certo e a opressão é justa, como em uma única geração o mundo pode mudar tanto até ficar irreconhecível. pg.103

Mas como eu disse, a história perde o ritmo e o “terror” quando Jean vira uma mulher privilegiada ao não usar a pulseira limitadora de palavras, e ser uma das únicas responsáveis pela finalização de um soro que pode curar uma doença neurológica.

Daqui pra frente, tudo se torna conveniente pra personagem. Todos os coadjuvantes são exatamente quem precisam ser e estavam exatamente onde precisavam estar. Algumas escolhas de plot para movimentação da história também são bem “forçados” e adequados, não parecendo muito naturais.

O foco na distopia e na opressão se perde, e o livro vira quase um thriller de espionagem, e que não é muito bem conduzido. A autora usa muito uma forma de contar a cena que primeiro se baseia em toda uma descrição do que a personagem gostaria que acontecesse. Então ela insere um “mas não foi assim que aconteceu”, e descreve o que realmente teria sido a cena.

Pra mim, só deixava diversas partes da história confusas e eu achava essa introdução “idealizada” totalmente desnecessária.

Outra coisa que achei fraco na segunda metade da história é que Jean não esteve de verdade em perigo. Eu não consegui sentir medo pela vida dela, ou de sua família, ou de quem quer que fosse. Mesmo que a autora tentasse criar uma sensação de angústia e apreensão por ela estar em um “território” perigoso, ainda assim, ela nunca esteve realmente em risco.

É uma pena. Não sei como a autora poderia conduzir a história ainda dentro da estrutura inicial, forçando ainda mais a mão na distopia de gênero. Mas gostaria de ver de que outro jeito a narrativa poderia evoluir dessa forma.


Até a próxima! o/

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2 Comentários

  • Responder Izandra 17 abr 2020 at 17:07

    Poxa… Vendo o início da resenha, e os trechos que colocou, fiquei mega interessada. Aí suas observacoes sobre a segunda metade do livro me deixaram com o pé atrás 😓
    Ainda assim, talvez eu dê uma chance, nem q seja pra terminar com o mesmo sentimento que você rs

    • Responder Samara Maia Mattos 17 abr 2020 at 17:56

      O começo é realmente bom e angustiante! Mas depois… se você tiver sentindo falta de uma decepção “básica”m vai fundo. 😅

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