resenha

O que Alice esqueceu – Liane Moriarty

21 jun 2018
Informações

O que Alice esqueceu

Liane Moriarty

Intrínseca

série ---

416 páginas | 2018

4.5

Design 4.5

História 4.5

14

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Alice tinha certeza de que era feliz: aos 29 anos, casada com Nick, um marido lindo e amoroso, aguardando o nascimento do primeiro filho rodeada pela linda família formada por sua irmã, a mãe atenciosa e a avó. Mas tudo parece ir por água abaixo quando ela acorda no chão da academia… dez anos depois!

Enquanto tenta descobrir o que aconteceu nesse período, Alice percebe que se tornou alguém muito diferente: uma pessoa que não tem quase nada em comum com quem ela era na juventude e, pior, de quem ela não gosta nem um pouco.

Ao retratar a vida doméstica moderna provocando no leitor muitas risadas e surpresas, Liane Moriarty constrói uma narrativa ao mesmo tempo ágil e leve sobre recomeços, o que queremos lembrar e o que nos esforçamos para esquecer.

Design

Eu falei um pouco sobre a identidade visual criada para os livros da Liane Moriarty na resenha de Até que a culpa nos separe, então você pode dar um pulinho lá para ver minha opinião.

O que vale falar aqui principalmente é sobre o tema da capa.

Todos os outros livros tem essa questão de fragmentação de um elemento visual. Mas aqui, se você pensar bem, a flor de dente de leão já é, em sua natureza, um elemento que se fragmenta para propagar a espécie.

Ela se torna esses pequenos flocos que voam para longe de forma elegante e aleatória.

E não há metáfora mais bonita para mostrar as memórias de Alice sendo retiradas dela. <3


História

Ok, Liane Moriarty fez de novo. Conseguiu me convencer a ler um livro de drama de cabo a rabo! E eu quase, QUASE, consegui ler tudo em um dia só.

Depois de Até que a culpa nos separe, eu meio que já estava esperando que O que Alice esqueceu provavelmente teria temas parecidos, mas o legal é ver como ela consegue focar e desenvolver os mesmos assuntos de forma diferente nos livros.

Eu particularmente acho super corajoso um autor se quase “monotemático”. Porque, convenhamos, não tem taaaaanta coisa assim de diferente pra falar quando toda sua história é fundamentada em white (rich) people problems.

De qualquer forma, foi mais um investimento muito bem recompensado chegar ao fim de O que Alice esqueceu. E comparando com o que li antes, eu achei esse mais sofrido, muito provavelmente pela participação constante de Elizabeth, a irmã de Alice.

Assim, Alice é a personagem principal. Inclusive, ela está no título do livro. Mas além dela, outras duas mulheres são importantes para contar a história da perda de memória de Alice: Elizabeth e Frannie, a avó emprestada das duas.

E é completamente compreensível a gente ter outras vozes na narrativa. Como Alice perdeu 10 anos de memórias, a gente precisa que outras pessoas contem pra gente suas percepções sobre a protagonista.

Porque a gente sabe que a Alice de 10 anos atrás não consegue entender como as pessoas que são sua família e conhecidos não gostam lá muito dela. E sim, esse é um dos “mistérios” da história. O que aconteceu com a Alice ao longo desse tempo para que as pessoas que ela tinha tão próximo, simplesmente se afastassem dela.

“Talvez, pensou Alice, amedrontada, a outra Alice que viveu minha vida nos últimos dez anos não seja uma pessoa muito boa.” p.78

Eu já estava imaginando que a Alice-de-hoje devia ser uma daquelas “madames” ricas, cheias de opinião e atitudes, insuportáveis e autocentradas. E confesso que eu não queria muito que ela voltasse.

Mas estou me adiantando.

Alice acorda em um lugar que não reconhece cercada de mulheres que não sabe quem são e com uma baita dor de cabeça. Quando é levada para o hospital para uma avaliar se houve algum dano ao seu cérebro depois de uma baita pancada na aula de step da academia, Alice começa a perceber que não está mais em 1998.

É 2008 e Alice não se lembra o que aconteceu nos últimos 10 anos! E ela começa a perceber que sua irmã não é mais tão próxima quanto ela se lembra, que seu marido a odeia e estão passando por um divórcio complicado.

O mais importante de tudo?! Ela não só não está mais grávida do seu primeiro filho, mas agora tem três (!) crianças esperando por ela em casa. Crianças que ela não faz ideia de quem ou como são.

No fim das contas Alice não reconhece mais a mulher que ela vê no espelho. Não só por conta de ter envelhecido 10 anos, mas por conta da mudança em seu corpo, por estar tão magra que ela mesmo acha estranho. Pela marca de cesária. Pela mudança no guarda-roupa. Alice não consegue entender quem é essa mulher que ela se tornou.

“Alice, claro, vivia dizendo que devia começar a fazer exercícios e perder peso, mas nunca tomava uma providência. Era algo que precisava dizer para as amigas de vez em quando, para mostrar que era uma mulher de verdade: ‘Meu Deus, como estou Gorda’. (…) Uma pequena insatisfação com seu corpo às vezes se transformava em ódio de si mesma, e ela passava fome durante o dia e depois jantava um pacote de biscoitos de chocolates.” p.116

Além de tentar entender/lembrar quem a Alice-de-hoje é, a gente acompanha os problemas de relacionamento com os filhos, como eles estão lidando com a questão da separação dos pais, como são na escola.

O que mais me impressionou no relacionamento pais e filhos é que eu consegui acreditar nas crianças de Moriarty. Em Até que a culpa nos separe tínhamos três meninas na história, mas só uma delas era realmente atuante e tinha voz na história com mais presença.

Aqui, os três filhos de Alice já tem personalidade e opiniões definidas. Todas as vezes que participam dos diálogos você acredita que são crianças interagindo com adultos. Suas ações e atitudes são compatíveis com as idades que têm (ou pelo menos eu acho que devem ser XD). E isso tudo é mérito da forma como Moriarty escreve seus personagens e seus diálogos.

Paralelamente à história de Alice, a gente lê o diário de Elizabeth, a irmã mais velha da protagonista, ao longo dos capítulos. Ela está fazendo terapia porque há alguns anos está tentando engravidar e já passou por alguns abortos espontâneos.

As partes de Elizabeth são extremamente tristes e sofridas. Mesmo eu que não quero ter filhos fiquei sentida e comovida com a sensação de culpa, inadequação e de falhar constantemente que Elizabeth conta ao longo de seu diário.

E Elizabeth entra em uma espiral de autodepreciação que só vai piorando com o passar do tempo. A ponto de ela se questionar sobre a decisão de ser mãe. De pensar em suicídio por falhar tantas vezes em manter o embrião dentro de si.

“Precisávamos dizer em voz alta todas as coisas amargas, negativas e perversas que pensávamos. Os remédios, os hormônios e a constante frustração da nossa vida nos tornam babacas, e não temos permissão para sermos babacas em público, porque as pessoas não gostam.” p.167

“Olhe só para Alice e Nick. Eles eram tão felizes antes de as crianças nascerem… Claro que eles amam os filhos, mas, vamos ser sinceros, dão muito trabalho. E você não fica para sempre com os bebês lindos. Os bebês desaparecem. Viram crianças que nem sempre são fofas.” p.249

Por mais que eu tenha gostado muito da participação de Elizabeth, fico um pouco satisfeita de ela não ser a protagonista ou a voz mais atuante na história. Se fosse assim, provavelmente estaríamos todos cortando os pulsos no final do livro.

Além de Alice e Elizabeth, Frannie tem um blog onde ela conta suas “peripécias” como mãe/avó/bisavó. Da parte dela a gente ouve algumas coisas sobre a perda de memória de Alice, mas ela trata de assuntos que também são interessantes. Frannie fala muito sobre eutanásia (ela é uma senhora de quase 80 anos) e sobre romance entre pessoas da terceira idade.

De qualquer forma, foi uma louca aventura acompanhar a Alice-do-passado navegando por uma vida que não construiu e não se lembra, tentando se adaptar a toda rotina que essa mulher que ela não conhece desenvolveu para si e os filhos. Tentar entender junto com ela quem é essa pessoa que ela se tornou. Eu só conseguia perceber uma mulher controladora, alucinada, agressiva e, de certa forma, mais triste.

E sei lá. Da forma como Moriarty mostra a Alice-do-passado, mesmo a gente sabendo que ela não era mais “real”, fazia parecer que ela ainda era a personalidade “certa”. A Alice-de-hoje parecia o resultado de muito sofrimento auto-imposto e de decisões “erradas”.

E quando finalmente a memória dela retorna, e ela recebe aquela avalanche de informações e sentimentos, e volta a tomar as decisões “erradas”… MELDELZ!, eu quis matar Moriarty.

Porque ela conduz a história de uma forma que deixa você cheio de expectativas sobre o que vai acontecer nos relacionamentos de Alice, o que vai mudar, o que vai melhorar. E BAM!, ela joga umas verdades na sua cara e eu simplesmente fiquei meio “pistola”.

“Não era só a memória dos últimos dez anos que tinha voltado. Seu verdadeiro eu, formado por aqueles dez anos, tinha voltado. Por mais sedutor que fosse apagar a tristeza e o sofrimento dos últimos dez anos, isso teria sido uma mentira. A jovem Alice era uma tolinha. Uma tolinha inocente. A jovem Alice tinha dez anos a menos de vivência.” p.395

Corro o risco de soar EXTREMAMENTE machista aqui, mas Alice decidiu tomar pra si todas as responsabilidade de criação e desenvolvimento dos filhos e não quis dividir ou conversar com o marido. Simplesmente assumiu que ele era um incompetente orgulhoso e que não deveria/sabia fazer as coisas da forma “certa”.

“Talvez se Alice tivesse pedido mais ajuda? (…) Se não tivesse virado a especialista em tudo relacionado às crianças; se não tivesse sido tão desdenhosa quando ele vestia os três com combinações estranhas. Nick não suportava sentir que estava fazendo papel de bobo, então ele simplesmente parou. Por causa do seu orgulho Idiota.

E ainda teve o orgulho idiota dela, de ser a melhor mãe do mundo, a mais profissional.” P. 394

Ela mesma ajudou a conduzir o casamento para o ostracismo e para se aproximar de um final amargo. Acho que o problema aqui, assim como em todos os relacionamentos do universo, é a falta de diálogo entre o casal. Sempre acho que seu marido/sua esposa deveria ser, acima de tudo, seu amigo. Você deveria se sentir confortável o suficiente com a pessoa que escolheu viver junto para simplesmente poder conversar e resolver problemas.

Eu tive dificuldades para lidar com a amiga Gina, que surge como um dos pivôs de muitos acontecimentos da história. É muito legal ir junto com a Alice-do-passado tentando entender quem era essa mulher que todo mundo diz ser sua melhor amiga. Mas ao mesmo tempo, eu não consegui curtir o que ela “fez” com a Alice. Sei lá, tomei ranço da personagem. É daquelas coisas que a gente às vezes não consegue explicar direito, mas tá lá, incomodando a gente.

Acho que os dois livros que li de Moriarty são muito equilibrados e não consigo dizer qual é melhor entre eles. Nem sei se precisa ter um melhor que o outro, na verdade.

Tratar dos assuntos que ela escolhe tratar, e da forma como ela desenvolve, faz com que coisas sensíveis como entender sobre eutanásia e suas complicações morais, não tenham tanto peso, mas ao mesmo tempo sejam marcantes.

Curti. Curti o desafio de conhecer uma autora em tão pouco tempo. Curti sair da minha zona de conforto e descobrir que dá pra ler um drama de vez em quando. E curti saber que eu ainda tenho mais dois livros da autora lá em casa para quando der vontade. :)


Até a próxima! o/

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banner parceria editora Intrínseca 2018

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