Até que a culpa nos separe
Intrínseca
série ---
464 páginas | 2017
Amigas de infância, Erika e Clementine não poderiam ser mais diferentes. Erika é obsessivo-compulsiva. Ela e o marido são contadores e não têm filhos. Já a completamente desorganizada Clementine é violoncelista, casada e mãe de duas adoráveis meninas. Certo dia, as duas famílias são inesperadamente convidadas para um churrasco de domingo na casa dos vizinhos de Erika, que são ricos e extravagantes.
Durante o que deveria ser uma tarde comum, com bebidas, comidas e uma animada conversa, um acontecimento assustador vai afetar profundamente a vida de todos, forçando-os a examinar de perto suas escolhas – não daquele dia, mas da vida inteira.
Em Até Que a Culpa Nos Separe, Liane Moriarty mostra como a culpa é capaz de expor as fragilidades que existem mesmo nos relacionamentos estáveis, como as palavras podem ser mais poderosas que as ações e como dificilmente percebemos, antes que seja tarde demais, que nossa vida comum era, na realidade, extraordinária.
Design
Não sei se você já reparou, mas as capas da Liane Moriarty tem um padrão/estilo bem interessante! Todas elas retratam algum tipo de fragmentação de um objeto, provavelmente relacionado com a história (e pensando bem, depois que você começa a ler, pode até ser algum tipo de spoiler também).
Eu achei bem legal esse padrão porque o objeto está presente na capa, mas ele não compete com toda a arte textual que também está sendo construída com o título e o nome da autora. É bem interessante a escolha da fonte, que é uma slab-serif e meio que me lembra das letras de uma máquina de escrever.
O engraçado é que o nome da autora está em itálico, e por isso quase fica parecendo que é uma outra fonte! Mas faz sentido a adaptação da letra “a”, porque a versão regular não ficaria bem no deitadinho do itálico.
Tem um pequena questão que eu sempre implico, mas simplesmente porque eu sou chata e ponto, que é o texto de apoio para explicar quem é a autora. Particularmente eu não gosto quando ele aparece na capa. Sempre acho que que ficaria melhor na quarta-capa junto com a sinopse.
Até que a culpa nos separe é um livro grandinho com suas 464 páginas. Acho até que por isso a fonte usada no miolo é relativamente pequena. Chega a ser um tiquinho cansativo de fazer uma maratona de leitura porque você acaba forçando um pouco os olhos depois de um certo tempo. Ou então eu estou ficando velha e com dificuldade de ler… #vélea #oftamologista
Ao mesmo tempo, se a fonte fosse maior, ou até mesmo se a mancha gráfica fosse um pouco mais justa, o livro ganharia um volume ainda maior de páginas. Não vamos assustar os leitores, não é mesmo? :)
Fora isso, eu achei o miolo bastante correto. Os capítulos são todos numerados e tem um capitular para abrir o primeiro parágrafo. As páginas tem cabeçalho com o nome da autora/nome do livro, o que eu adoro para stalkear pessoas estranhas no transporte público (quando não dá para ver direito a capa do livro, sabe?).
História
Estou agradavelmente surpresa por ter gostado bastante do livro de Moriarty.
Se você acompanha o blog já pode ter percebido que eu quase não leio dramas. E não é que nem sci-fi, que eu quero ler mas não compro os livros. Drama não costuma estar nem entre minhas escolhas de leitura.
Nunca parei muito pra pensar no porquê disso, mas analisando precariamente as profundezas do meu ser literário, acho que tem a ver com uma aproximação com a realidade. Dramas costumam refletir situações cotidianas comuns, normalmente de adultos, com famílias constituídas. E bem, de vida real a gente já tá meio saturado, né?
Posso ser oficialmente considerada uma adulta, porque tenho emprego e pago os boletos. Mas muitas vezes não me vejo refletida nas questões dos personagens que aparecem em histórias como a que Moriarty conta em Até que a culpa nos separe.
“Mas, Samara, por que você decidiu ler esse gênero/essa autora agora?”, você pode estar se perguntando.
Não sei se você reparou, mas eu ando meio sumida do blog. Estou realmente com dificuldade de me organizar para sentar, escrever e postar (ainda não tenho problemas para ler :P). Com o lançamento do mais novo livro da Moriarty acontecendo por agora, e a intenção da Intrínseca em fazer uma semana especial para a autora, achei que era um bom empurrãozinho para me tirar da inércia.
Ano passado, eu recebi os três livros de Moriarty lançados até então. O que eu sabia da autora? Que ela escrevia histórias sobre famílias, que os títulos dos livros sempre tinham uma “jogadinha” engraçada, que as sinopses eram instigantes, e que um dos livros tinha virado série da HBO.
Mas continuava sendo drama (e eu não estava passando por nenhum drama pessoal) então deixei encostadinho, me olhando, como tantos outros livros que eu já tenho por aqui.
Bem, enquanto O que Alice esqueceu não chegava, achei justo pegar Até que a culpa nos separe para me preparar e conhecer a autora. E não me arrependo da escolha.
Acho que uma das coisas que eu mais gostei na maniera como Moriarty constrói a história é a forma lenta que ela cozinha a narrativa. E de certa forma, reflete todo o humor e ajuda a desenvolver a curiosidade e a tensão do leitor e dos personagens.
Outra coisa é como o clima, no sentido de “previsão do tempo”, também influencia no ritmo e nas relações dos personagens! Como ela conta a história fragmentada, alternando não só entre os PoVs dos personagens, mas também entre períodos de tempo passado/presente, você consegue perceber que no passado o humor de todos era mais solar, mais feliz e entusiasmado. No presente, durante um longo período de chuvas ininterruptas, e depois de todos os acontecimentos do churrasco, os personagens estão mais depressivos, agressivos e tristes.
Ah, o lance do churrasco. Assim que começa o livro você sabe que algo deu ruim em um churrasco. Alguma coisa terrível aconteceu. Algo que não pode ser dito, não pode ser lembrado. É praticamente o Voldemort da história.
Os personagens no presente sempre que podem, de alguma forma, mencionam que “nada será como antes” por conta desse maldito churrasco. E você fica ali, virando as páginas, tentando descobrir o que foi esse acontecimento. E Moriarty te segura, te envolve, te engana! E isso gera uma PUT@ expectativa do que pode ter sido!
Em dado momento, depois de tanto suspense e segredo, eu confesso que estava com medo de ser algo totalmente trivial e sem graça. Eu não queria passar pelo “luto” de me desiludir com uma história, de um gênero que eu não costumo ler mas estava gostando, que estava me conquistando!
E quando veio a descoberta e as reviravoltas que aconteceram com os personagens por conta do “acontecimento do churrasco”, eu continuei envolvida! Foi a melhor sensação de todas: não me sentir enganada por um segredo do João Kleber.
Outra coisa que eu gostei muito foram dos personagens de Moriarty. Todos são altamente gostáveis e odiáveis na mesma medida. Você simplesmente alterna o seu interesse ao longo das páginas e das trocas de PoVs.
Todos são imperfeitos. Todos são “de verdade”. Todos tem certa tridimensionalidade, e você acaba torcendo por um ou por outro. E todos são intrinsecamente diferentes uns dos outros. Você consegue identificar facilmente quem está contando o capítulo mesmo sem estar descrito o nome do personagem na abertura dizendo quem é.
Eu tendo sempre a gostar de “coisas quebradas”, então consigo entender (ou preferir) um pouco mais os personagens problemáticos. No caso de Até que a culpa nos separe são Erika e Oliver, o casal com probleminhas de relacionamento social.
“(…) ‘vamos fingir que somos o tipo de gente que gosta de receber pessoas em casa’. Tanto ela quanto Oliver haviam odiado cada segundo. Entreter pessoas era sempre angustiante para Erika porque ela não tinha experiência nenhum nisso e porque parte dela sempre acreditaria que visitas deviam ser temidas e desprezadas.” p.28
“Francamente, já estava cansado. Gostava bastante de todos ali, mas socializar exigia um esforço mental e físico que o deixava exausto e sem energia, e não era um cansaço bom (…).” p. 261
Pensando bem, acho que o melhor de Moriarty é sua capacidade de entender e replicar comportamentos e pensamentos extremamente humanos e, por isso, imperfeitos. A aproximação com a realidade, com a possibilidade de você se espelhar em algum personagem, ou de identificar algum conhecido em algumas situações da história é muito grande. Inclusive na possibilidade de você perceber que tem um relacionamento “complexo”, ou um lar disfuncional de origem, assim como os do livro.
Erika e Clementine são as personagens principais e que fazem a movimentação da história começar. As duas são amigas de infância e cultivam um relacionamento bastante tóxico e de certa forma abusivo.
“Era estranho, porque sempre tinha a sensação de que se escondia de Erika, de que era mais ‘si mesma’ com seu amigos ‘verdadeiros’, (…) mas naquele instante parecia que nenhum daqueles amigos a conhecia da forma pura, feia, infantil e essencial que Erika conhecia.” p.377
Erika vem de um lar desestruturado e a mãe de Clementine forçou sua filha a aceitar a primeira como sua amiga. Erika acaba virando uma “irmã adotada” pela família de Clementine, e elas passam a ser a antítese uma da outra.
Quando Erika é organizada e metódica, Clementine é impulsiva e desorganizada. E ao longo da história você começa a perceber o quanto as duas vivem uma relação de amor e ódio, de culpa e necessidade, que é nociva para as duas, mas ao mesmo tempo é a base e estrutura de grande parte de suas vidas.
Clementine é uma violoncelista que sofre de ansiedade sempre que vai tentar fazer um teste para algum trabalho importante. Ela agora tem a chance de se tornar uma violoncelista da orquestra de Sidney. Só que se já era difícil a perspectiva de se visualizar passando no teste antes do churrasco, depois ela tem que conviver com a possibilidade de seu casamento ter acabado!
Já Erika descobre algumas verdades sobre como Clementine enxerga sua amizade com ela, mas precisa de uma resposta final para um pedido complicado que fez para a amiga. Ao mesmo tempo precisa lidar com segredos que sempre guardou do marido e com uma mãe com doenças mentais.
Sério, as cenas com a mãe de Erika foram extremamente pesadas pra mim. Tudo que Erika sofreu ao longo da vida, tudo que não teve por conta da doença da mãe… e ela ainda se preocupa com o bem estar e a saúde de uma mulher que nunca esteve realmente presente pra ela… Estou soando insensível? Com certeza. Mas eu não gostaria de estar no lugar de Erika.
Além das duas, seus marido também participam como vozes presentes na história. Não com tanta frequência quanto Erika ou Clementine, mas seus pontos de vista ajudam a construir a forma como entendemos os acontecimento e os relacionamentos dos personagens. Me identifiquei demais com a inadequação social de Oliver, e fiquei triste por toda a bagagem emocional que Sam sempre reprimiu. Sabe aquela coisa de “homem não chora, homem não sente”? Pois é.
Por fim, ainda existem mais quatro outros narradores da história: o casal de vizinhos, onde acontece o churrasco, e sua filha; e um outro vizinho, um velhinho rabugento e agressivo. Com todos eles juntos, alternando entre passado e presente, inserindo diversos pontos de vista e percepções de sentimentos e acontecimento, Moriarty conseguiu criar uma trama extremamente bem desenvolvida, intrincada, amarrada e envolvente.
E a revelação final pode não ter sido impactante de explodir cabeças (porque eu estava começando a construir a possibilidade com pequenas migalhas de informação que a autora vai jogando), mas foi bastante interessante e satisfatória.
Não sei se Moriarty tem uma fórmula de história que se repete ao longo dos livros, que envolve segredos, mistérios e reviravoltas. Mas se todos tiverem essa forma de te cozinhar lentamente para entregar um desenvolvimento e redenção dos personagens como ela fez aqui, vou ficar bastante satisfeita em ler todos os outros livros que tenho da autora.
“Podemos pular muito mais alto quando temos um lugar seguro onde cair.” p.459
Até a próxima! o/
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