A vida mentirosa dos adultos
Intrínseca
série ---
436 páginas | 2020
As mudanças no rosto de Giovanna anunciam o início da adolescência e não passam despercebidas em casa. Dois anos antes de abandonar a família e o confortável apartamento no centro de Nápoles, Andrea não se dá conta do que sentencia quando sussurra para a esposa que a filha é muito feia. Essa feiura estética, mas que também indica uma possível falha de caráter, recai sobre Giovanna como uma herança indesejável de Vittoria, a irmã há muito renegada por Andrea. Aos doze anos, a menina vê um rosto no espelho e, embora não compreenda a fundo o peso daquela comparação, sente que algo está irremediavelmente à beira de um abismo.
O amor e a proteção oferecidos pelo lar são as primeiras estruturas a desmoronar quando Giovanna decide conhecer a mulher que pode encarnar seu futuro. Os encontros com a tia são o ponto de partida para o embate com inúmeras questões existenciais ― é possível pertencer a algum lugar em uma Nápoles de contrastes entre o cinza industrial e sua sociedade rica e instruída? Ou transcender os erros e pecados cada vez mais aparentes de pais outrora perfeitos? Como sobreviver ao despertar do desejo?
Ao longo dos anos acompanhamos os percalços da transição da infância protegida de Giovanna a uma adolescência exposta às complexidades daqueles que a cercam, evocando também a possibilidade de levar a vida adulta como nenhuma outra mulher fizera até então. Um romance extraordinário sobre transições, paixões e descobertas.
Design
Eu gosto dessa imagem da jovem saindo de dentro de si mesma. Acho que é uma ótima forma de representar exatamente o processo pelo que a protagonista passa ao longo das 432 páginas de A vida mentirosa dos adultos.
É se libertar da casca, é encontrar um novo eu, é evoluir e crescer.
Não sei muito bem como caracterizar essa fonte que foi usada no nome da autora e no título, mas eu achei maravilhoso essas serifas slabs e essa coisa meio gorducha nas letras. E por mais que a imagem seja importante na capa, o amarelo e o tamanho dos elementos textuais praticamente roubam o protagonismo.
E esse mesmo amarelo invade a lombada e a quarta capa, que em sua simplicidade, só tem uma citação que é forte o suficiente para instigar o leitor a abrir e ler a orelha.
Normalmente, eu prefiro quando a sinopse vem na quarta-capa, mas quando escolhas “perfeitas” como essa são feitas, eu simplesmente tenho que concordar, e dizer que sim, não tinha outra forma para ser feito.
Aí, quando você abre a capa a primeira surpresa. Adeus fonte gorducha, olá fonte sans serif com pegada assimétrica e art decô. Entendi porquê essa escolha foi feita? Não, nem um pouco. Mas de alguma forma, eu curti!
Talvez porque a fonte escolhida é linda, linda! E eu adorava ver quando ela aparecia nas aberturas de partes e nos números dos capítulos.
E aqui temos outra surpresa maravilhosa. Espero não estragar a experiência de ninguém mas as aberturas das partes do livro são um momento espetacular da leitura. Você ver o quanto o crescimento de Giovanna ao longo das páginas afeta cada uma das partes, e o que isso revela pro leitor é uma das melhores coisas do miolo.
Inclusive, a abertura de capítulo tem todo um tratamento diferenciado também que reflete o que acontece na abertura da parte. E a mancha de introdução do capítulo também é assimétrica em relação às outras páginas e eu simplesmente adorei!
Fora isso, o miolo é bem correto. Como esse livro é do modelo menor da Intrínseca, a fonte e as margens são um pouquinho maior do que nos livros “normais”. Gostei que as informações de título/autor estão no rodapé junto com a paginação, e na mesma fonte sans serif das partes e capítulos.
Por fim, a fonte é bem legível e agradável de ler. Mais um projeto muito bom da Intrínseca.
História
Elena Ferrante é uma autora que eu sempre acho que deveria ser mais inteligente pra poder fazer altas análises psicológicas dos personagens. Pra ter tiradas interessantes de comparação com alguma coisa importante.
Como eu não sou tão inteligente, você vai ter que aceitar as minhas impressões “básicas” de um livro que provavelmente tem camadas que eu não vou alcançar.
Ou então eu que quero colocar “elitismo” literário num livro que é direto e objetivo em suas críticas e fica parecendo que “deve ter mais coisa aí”.
De qualquer forma, Ferrante sempre tem uma qualidade que é impressionante em sua simplicidade. A prosa da autora é rápida e fluida, mas ao mesmo tempo de uma elegância que dá gosto de ir passando as páginas da história.
Apesar de ainda não ter lido a tetralogia Napolitana, eu considero Elena Ferrante uma das melhores autoras de romance que já li. Os livros que a Intrínseca lançou podem não ser seus maiores bestsellers, mas têm traços de uma narrativa ácida, crua e direta, que te conquista pelas verdades que normalmente traz.
Verdades que a gente às vezes não quer ver ou enfrentar.
O livro acompanha a vida de Giovanna, uma adolescente napolitana, dos 12 aos 16 anos. A gente é apresentado a sua vida relativamente comum do que parece uma família de classe média.
Seus pais são professores e tem um casal de amigos que frequentam sua casa, e suas filhas são amigas de infância de Giovanna.
A trama realmente começa quando seu pai, irritado com as notas baixas da filha, diz que ela está ficando “a cara Vittoria”. Essa afirmação desencadeia em Giovanna uma enxurrada de perguntas e questionamentos sobre o seu relacionamento com o pai.
Quem é Vittoria? Será que Giovanna é feia? Por que o pai a comparou com essa mulher que ela não sabe quem é?
A partir desse momento, Giovanna vai descobrir todo um lado da família do pai que ela não sabia que existia. Uma família mais simples mas muito mais tradicional e apegada aos rituais, extremamente controlada e comandada pela tia Vittoria.
Sua tia é uma mulher solteira, amarga e endurecida pela vida e pela raiva que sente do irmão. Para a sobrinha, ela conta todos os “podres” que a menina nunca imaginava que seu pai poderia ter.
Os erros, os defeitos, a soberba, a vergonha da família e de suas origens. Um lado italiano que normalmente a gente associa com alguns estereótipos, explosivo, vingativo e agressivo.
A mãe de Giovanna também não escapa da ira implacável da tia, e ela também perde o status imbatível de “perfeita”.
Através da tia, Giovanna passa a desconstruir os pedestais em que colocava seus pais, e começa a perceber suas humanidades, falhas e defeitos. E com isso, ela entra naquele momento que muitos adolescentes passam.
Surge a revolta, a agressividade, a música alta e as roupas pretas.
Inclusive depois da separação dos pais, Giovanna entra em uma espiral de autodestruição que é fácil de se relacionar. Quem passou incólume pelos anos da loucura hormonal e de se sentir o centro do mundo, dono da verdade, quando tudo era sempre urgente e inalcançável?
Ao mesmo tempo em que nada era impossível e que a vida era feita para chocar e agredir os outros.
É. Adolescência.
Além disso, Giovanna passa por várias “primeiras vezes” ao longo dos anos. Pela aceitação pessoal e a busca pela aprovação dos outros. Pela idealização do amor. Pela traição paterna, da tia, e pela intenção de ela mesma trair outra pessoa.
Acho que Elena Ferrante mais uma vez conseguiu representar de forma sublime esse momento de turbilhão que acontece com todo mundo. Algumas coisas da vida de Giovanna eu não consegui me identificar, principalmente quando ela passa por um momento de querer se sentir e ser uma “vagabunda”.
Mas todos os questionamentos, as quebras de expectativas e da infalibilidade dos pais, os relacionamentos com as amigas e com os rapazes, todos são bastante críveis.
A única coisa que eu não gostei tanto foi o final que ficou parecendo apressado, mas que foi dentro do que a autora estava construindo pra personagem.
O início pode ser um pouquinho lento, mas logo pega o ritmo e você vai envolvendo nos dramas de Giovanna e da família e logo não consegue mais parar a leitura.
Outros livros da autora
Até a próxima! o/
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1 comentário
Olha… Em que pese sua resenha favorável, não acho que eu consiga ler esse livro. Mais por uma questão pessoal do que objetiva: eu odeio a adolescência.
Na boa, mal consigo olhar para trás e pensar no meu “eu” adolescente. (insira o emoticon de tapa na cara aqui)
Tipo.. Meu era mesmo TÃO idiota assim…? Eu REALMENTE achava que era a “dona da verdade”…? Tudo bem, meus pais não eram “perfeitos” na educação; eram exigentes com base em seus próprios valores, sem diálogo nem nada. Mas, ainda assim… G-zuz, só de pensar nessa versão minha, de anos atrás, quero me esconder em um canto rs
Dito isso, ler um livro em que, aparentemente, teria que passar por esse mar de emoções que a adolescência evoca… Não é para mim (infelizmente). Já abdiquei de livros infantojuvenis, e a maior parte dos YAs, pelo mesmo motivo xD