resenha

Um Cavalheiro em Moscou – Amor Towles

25 jun 2020
Informações

Um Cavalheiro em Moscou

Amor Towles

Intrínseca

série ---

464 páginas | 2018

4.75

Design 4.5

História 5

14

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Livro que permaneceu por quase um ano na lista de best-sellers do New York Times, com mais de um milhão de exemplares vendidos, apresenta com humor e leveza um elogio aos valores e tradições deixados para trás pelo avanço da história.

Aleksandr Ilitch Rostov, “O Conde”, é condenado por um tribunal bolchevique à prisão domiciliar no sótão do hotel Metropol, lugar associado ao luxo e sofisticação da antiga aristocracia de Moscou. Mesmo após as transformações políticas que alteraram para sempre a Rússia no início do século XX, o hotel conseguiu se manter como o destino predileto de estrelas de cinema, aristocratas, militares, diplomatas, bons-vivants e jornalistas, além de ser um importante palco de disputas que marcariam a história mundial.

Mudanças, contudo, não paravam de entrar pelo saguão do hotel, criando um desequilíbrio cada vez maior entre os velhos costumes e o mundo exterior. Graças à personalidade cativante e otimista do Conde,  aliada à gentileza típica de suas origens, ele soube lidar com a sua nova condição. Diante do risco crescente de se tornar um monumento ao passado até ser definitivamente esquecido, o Conde passa a integrar a equipe do hotel e a aprofundar laços com aqueles que vivem ao seu redor.

Com sua perspectiva única de prisioneiro de duas realidades distintas, o Conde apresenta ao leitor sua sabedoria e sensibilidade ao abandonar certos hábitos e se abrir para as incertezas de novos tempos que, mesmo com a capacidade de transformar a vida como a conhecemos, nunca conseguirão acabar com a nobreza de um verdadeiro cavalheiro.

Design

E temos mapa! Quem diria que um livro de romance histórico traria um mapa, mas foi reconfortante conhecer os arredores de Moscou e do lugar onde o Conde Rostov passa tantos anos de sua vida. ❣️

Mas fora isso, o livro é bastante correto em seu projeto gráfico como um todo.

A capa já nos mostra o que esperar da história. A vida contemplativa de um Conde que foi “aprisionado” dentro de um hotel, condenado a ver a vida passar pela janela de sua prisão.

A fonte em caixa alta, com um viés quase de art deco (movimento artístico que ocorreu entre 1920 e 1935), e com esse foco de cor em vermelho contrastando com o preto e branco da imagem, cria uma estética bastante atraente e impactante, ao mesmo tempo melancólica. Além disso, todas as letras são marcadas com relevo seco, dando mais um detalhe estético pra capa.

Detalhe para o acabamento em soft touch para ficar completamente marcado pela gordura dos meu dedinhos.

Na lombada, mais alguns elementos gráficos que poderiam ser associados à art deco, enquanto que na quarta-capa, um forte duotone de vermelho e preto é uma ótima “morada” para uma das frases mais marcantes de todo o livro.

Na contra-capa, uma chapada de preto mantendo o principal padrão monocromático iniciado na capa.

Quanto ao miolo, ele segue o padrão de cuidado que a Intrínseca costuma ter com todos os seus livros. Uma mancha que ocupa bem as páginas, uma boa fonte legível e agradável. Cabeçalho e paginação no topo da página.

As aberturas de capítulo costumam trazer o ano em que se passa a história, de forma que o leitor consiga acompanhar o passar do tempo, e também o título daquele trecho.

Só teve uma coisa que me deixou extremamente confusa ao longo das 464 páginas: existem 3 formas diferentes de quebra de capítulo ao longo do livro. Eu simplesmente não consegui entender porquê e qual era a real diferença ou necessidade de haver essas formas. 🤷‍♀️


História

Das coisas que a gente nunca espera que aconteça.

Solicitei Um Cavalheiro em Moscou lá nos idos de fevereiro, quando a Covid ainda era uma ameça relativamente longínqua e ninguém esperava que ela chegasse por aqui.

E o quanto esse livro se aproxima da nossa realidade de agora? Quarentena e afastamento social há pelo menos 4 meses. Todo mundo (teoricamente) em suas casas, em um confinamento entre suas paredes. Com suas famílias ou até mesmo de forma solitária.

O quanto disso tudo não é um reflexo “moderno” da prisão do Conde Rostov, nosso protagonista no livro.

Tá. Aleksandr Ilitch Rostov era um ex-cidadão e ex-aristrocrata em uma Rússia pós revolução. Um Conde. A gente é um bando de phudido em um país maluco, com pessoas sem dinheiro e sem ter o que comer, e com dezenas de milhares de mortos por uma pandemia.

Mas não é pra esse caminho que eu quero ir, me desculpe.

Tive que dar uma pesquisada na Wikipedia pra relembrar o que/quando foi a Revolução Russa. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, o povo russo estava insatisfeito com a monarquia e a partir de 1917 iniciou um série de revoltas que culminou com queda do czar e a chegada do Partido Bolchevique (do Lênin) ao poder.

Uma das coisas que o sistema bolchevique implementou para seus ex-cidadãos é que expatria-los era uma forma de dar a eles uma nova chance, um recomeço em outro país. Uma prisão domiciliar, ou um impedimento de entrar nas seis principais cidades da Rússia, era um castigo muito pior.

A história começa em 1922, com o julgamento do Conde Rostov, que é acusado de escrever poesia anti-regime, sendo condenado à prisão domiciliar no Metropol, um dos mais importantes hotéis de Moscou.

Isso significa que ele nunca mais vai poder sair do perímetro do hotel. Não vai poder pisar fora dos grandes salões. Não vai mais poder caminhar pelas ruas de Moscou, visitar suas lojas, almoçar em seus cafés.

A partir do momento que Rostov é condenado, passamos a acompanhar sua vida no hotel. Ao mesmo tempo, personagens que cruzam seu caminho ajudam a contar um pouco sobre seu passado.

Ao longo das páginas vamos preenchendo as lacunas sobre sua família, sua irmã mais nova, seu tempo de escola e faculdade, seus amigos mais próximos.

No estilo de Amor Towles, a história do Conde ganha uma narrativa sutil, delicada, cheia de certa poesia e floreios românticos.

O relacionamento do Conde com sua rotina, com os funcionários do hotel, com a comida e a bebida que degusta nos restaurantes. Todos são motivos para belas descrições, comentários poéticos, reminiscências sensíveis.

A primeira coisa que o acertou foi o pão preto. (…) O gosto do centeio escuro e do melaço ainda mais escuro era um complemento perfeito para uma xícara de café. E o mel? Que contraste extraordinário proporcionava. Se o pão era, de certa forma, terroso, castanho e melancólico, o mel era solar, dourado e alegre. Mas havia outra dimensão nisso… Um elemento figidio, porém familiar… Uma nota de graça escondida por baixo ou pro trás, ou dentro da sensação de doçura.

(…)

– Os lilases. p.133

Mas não se preocupe. Os momentos que acompanhamos de sua história são o que tem relevância e criam movimento na narrativa. Por isso, alguns anos são pulados. Algumas situações da história mundial são comentadas, mas não necessariamente descritas ou estruturantes na vida de Rostov.

O Conde passa pela estabilização do regime socialista de Lênin. Pela ascensão de Stalin. Pela Segunda Guerra Mundial. Pelo início da Guerra Fria.

Isso tudo conhecendo uma menina que também mora no hotel com seu pai. O gerente e o chef do restaurante. A costureira do hotel. O gerente. Uma atriz renomada. Um militar de alta patente. E seu nêmesis e funcionário do bar do hotel.

Ao mesmo tempo que Rostov se acomoda com sua situação de “prisioneiro” no próprio país, ele acaba buscando espaços no hotel que possa preencher com suas especialidades. Com o passar do tempo, acaba ocupando o lugar de chefe dos garçons do principal e mais refinado restaurante do hotel.

Preciso dividir sobre uma das passagens do livro que mais me deixou mortificada. Em dado momento, depois de uma reclamação anônima, policiais do Partido vão até o hotel e retiraram todos os rótulos de todos os vinhos da adega. Centenas de vinhos destituídos de sua identidade, de sua originalidade, de suas especificidades, e reduzidos a sua única característica: a visual. São vinhos tintos ou brancos. E só.

A partir desse momento, não era mais possível identificar sua procedência, sua idade, suas uvas. Centenas de garrafas com praticamente o mesmo formato e peso, e todas reduzidas ao anonimato. O trabalho de vários produtores e vinícolas sendo destruído e desvalorizado.

Eu nem sei nada de vinho, nem mesmo bebo. Mas talvez o que tenha mexido comigo é que provavelmente é essa uniformização de uma “arte” e destituição de individualidade.

De qualquer forma, são esses slices of life que alimentam toda a história e o interesse pela vida do Conde.

É um romance leve, onde você não sente apreensão ou tensão pela situação do protagonista, mas ao mesmo tempo fica tão envolvido por todos os pequenos acontecimentos que o que se pode fazer é acompanhar enquanto as páginas e a história levam você adiante na vida do Conde Rostov.

Foi um livro que me fez bem nessa quarentena. Que me mostrou que é possível tentar tirar o melhor da situação, por mais limitante ou paralisante que ela possa ser.


Até a próxima! o/

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