O Labirinto do Fauno
Intrínseca
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320 páginas | 2019
Quando estreou nos cinemas, O Labirinto do Fauno encantou público e crítica com sua história que mesclava sonho e realidade, trazendo para o universo da fantasia o cruel cotidiano da Espanha fascista de Franco. Mais de dez anos depois, a produção permanece conquistando fãs e mostrando que boas histórias são atemporais.
Nesta edição mais do que especial, o escritor, diretor e roteirista mexicano Guillermo del Toro — a mente por trás do filme e um dos artistas mais inventivos dos últimos tempos — se une a Cornelia Funke, premiada escritora de contos de fadas modernos e autora da trilogia Mundo de Tinta, para narrar a jornada de uma menina pelo Reino dos Homens e pelo Reino Subterrâneo.
No ano de 1944, Ofélia e a mãe cruzam uma estrada de terra que corta uma floresta longínqua ao norte da Espanha, um lugar que guarda histórias já esquecidas pelos homens. O novo lar é um moinho de vento tomado pela escuridão e pela crueldade do capitão Vidal e seus soldados, dispostos a tudo para exterminar os rebeldes que se escondem na mata.
Mas o que eles não sabem é que a floresta que tanto odeiam também abriga criaturas mágicas e poderosas, habitantes de um reino subterrâneo repleto de encantos e horrores, súditos em busca de sua princesa há muito perdida. Uma princesa que, segundo os sussurros das árvores, finalmente retornou ao lar.
No livro, a narrativa de Ofélia é intercalada com ilustrações e contos de fadas inéditos, baseados em elementos-chave de O Labirinto do Fauno. A obra é uma impactante ode ao poder das histórias, seja em imagens ou palavras, e a sua capacidade de transformar a realidade a nossa volta.
Design
Tou tentando falar mal de algum livro da Intrínseca, mas até agora, só dei o “azar” de pegar livros maravilhosos. Como lidar?
Acho que você só vai ter noção da dimensão desse livro quando puder pegar um na mão para “ver” de verdade.
Vamos lá. Capa dura com fitilho e pintura trilateral. Padrão cromático todo baseado em tons frios e “vegetais”. A ilustração da capa tem diversas referências aos personagens que Ofélia vai encontrar ao longo de sua aventura.
Os nomes dos autores são escritos em uma fonte nervosa e estão completamente integrados às árvores aterrorizantes que remetem à floresta no entorno do moinho, a casa do capitão padrasto da Ofélia. A fonte do título também é um tanto assustadora e caligráfica, e por algum motivo (talvez as serifas redondinhas) me lembrou o filme do Tim Burton, O Estranho Mundo de Jack.
Apesar do tom escuro geral da capa, o título em preto se sobressai por conta do verniz brilhante que tem em todas as letras.
O labirinto aparece na capa e também nas folhas de guarda do livro, assim que você começa a mergulhar no miolo. E cada página é uma surpresa visual. Todas as folhas introdutórias tem uma impressão de textura antiga, além de uma mancha que remete a uma floresta bem bizarra no centro do miolo.
A partir do sumário, quando entramos nas partes e nos capítulos, essa impressão de textura só aparece nessas aberturas, e as páginas “normais” de história são da cor natural do papel. TODAS as aberturas de partes possuem uma ilustração maravilhosa, e o texto é emoldurado por uma arte que parece costura antiga, como uma “linha grossa” preenchendo os “buracos” no papel.
As aberturas de capítulos são feitas nas páginas ímpares, e tem o número e o nome. Na página anterior, sempre uma chapada de cor preta. As páginas do miolo propriamente dita são mais simples, mas tem o nome do livro e o nome do capítulo no topo da página, com um grafismo bem peculiar, e a paginação no rodapé, numa fonte mais caligráfica também.
A mancha gráfica ocupa bastante bem as páginas, e tem uma margem para poder comportar as artes de moldura ou as intervenções de manchas de floresta que aparecem nas aberturas. A única coisa que eu não gostei foi a fonte escolhida para o texto, alguma coisa na altura das letras e do seu espaçamento faz com a que leitura seja um pouco cansativa.
Mas vamos combinar que é um ponto ínfimo a se levar em consideração quando se tem um livro como O Labirinto do Fauno nas mãos para ler.
História
Vamos começar dizendo que o que eu sempre achei que era a história de O Labirinto do Fauno não tem nada a ver com o que realmente é a história de O Labirinto do Fauno.
Lendo o livro de Del Toro + Funke eu percebi que, na verdade, eu nem tinha visto o trailer do filme original! O.o
TUDO o que eu sabia do filme (que OMEDEZO deve ser de terror!) girava em torno desse personagem aqui…
A imagem do Homem Pálido se transformou em tudo o que eu precisava saber sobre o filme e a história inteira. “Bem simplória você, não é mesmo, Samara?” Assim, se eu coloco na minha cabeça que alguma coisa é de terror, é bem difícil tirar essa imagem/expectativa.
Pois então. Pra mim, o filme do Del Toro era de terror e se passava todo em um universo de magia, assim como o filme O Labirinto da década de 1980.
E eu me enganei. Nível: muito.
A fantasia em O Labirinto do Fauno, é quase um degrau, uma “desculpa” real para fugir das questões terríveis que a realidade traz para os principais personagens da trama.
Porque, sim, existe um fundo fantástico para história. Funke aumenta toda a profundidade que provavelmente já existia no filme, inserindo contexto e explicações para coisas que Ofélia faz ao longo da história, criando um paralelo para o passado que começa a se entremear com o presente.
Espanha franquista. Esse é o momento onde se passa a história de Ofélia e sua mãe. Eu fui um péssima aluna de História na escola, mas algumas coisas eu acabei guardando ao longo do caminho. Enquanto acontecia a 2a Guerra Mundial e a Alemanha era dominada pelo nazismo, a Itália teve seu governo fascista e a Espanha teve o franquismo.
Fui pesquisar um pouquinho só pra entender o que aconteceu na Espanha no período. Depois da guerra civil, uma ditadura militar foi imposta por Franco e durou até sua morte na década de 1970. No livro, Del Toro + Funke nos contam que era um regime aparentemente violento, e que tinha oposição popular armada.
Depois da morte de seu pai, um alfaiate a quem amava muito, Ofélia é obrigada a ir morar com o novo marido de sua mãe, o capitão Vidal. Para a jovem, ele passa a ser simplesmente o Lobo, por toda a violência e agressividade que vê em seu padrasto.
Ele tem uma base militar em um moinho reformado no meio de uma floresta assustadora, e sua missão é destruir todos os revoltosos da região, que estão se opondo às ordens do governo franquista. Além disso, seu maior desejo é ter um filho, para dar continuidade a todas as atrocidades e levar seu nome e seu legado à diante. É um homem com muitos probleminhas.
Temos três personagens femininas muito importantes na história.
Ofélia é a linha guia. Nossa protagonista desencadeia toda a história e desperta os seres mágicos que estavam em “estase” na floresta no entorno do moinho do capitão. É uma menina solitária, que está em um relacionamento conflitante com a mãe, porque acredita que ela abandonou a memória do pai, e porque não sabe como se sente em relação ao irmão que está para nascer.
A mãe de Ofélia é uma mulher relativamente frágil e que precisa fazer com que o capitão as aceite para que continuem vivendo em relativa tranquilidade. Ela quer que Ofélia seja uma “filha perfeita” e que incomode o mínimo possível, mas por conta de sua situação, ela não consegue controlar a menina e fica cada vez mais doente com a progressão da gravidez.
Por último temos Mercedes, uma governanta no moinho. Ela se apega a Ofélia, enxergando na menina uma filha que provavelmente nunca vai ter. Ao mesmo tempo, ela vive uma vida de segredos e perigos, porque é irmã de um dos líderes dos revoltosos que estão lutando contra o capitão.
Entra a magia nessa história toda
Quando Ofélia vai até a floresta no entorno do moinho, acaba despertando o Fauno que estava adormecido por lá. A tarefa do Fauno era reencontrar uma princesa do mundo subterrâneo, há muito desaparecida. E tudo dá a entender que Ofélia é essa princesa.
Para provar e garantir que poderá voltar para seu reino, o Fauno vai dando tarefas para a menina realizar. Vou te contar que se fosse eu, teria agradecido e voltado pra casa. Ofélia é uma criança extremamente corajosa e tão crente de que seu lugar não é em “nosso mundo” que atende a todas as demandas do Fauno.
E vamos combinar que esse Fauno, conforme começa a recuperar suas forças, vai de bonzinho a um ser com muitas camadas e interesses um tanto sombrios.
No fim das contas, o Homem Pálido, aquele da imagem no início do post, é uma das tarefas que Ofélia tem que cumprir. E eu confesso que eu fiquei menos impressionada do que deveria. Não sei se a construção da tensão e do terror do que ele é não conseguiu me atingir na descrição da Funke. Talvez no filme ele seja sim mais aterrorizante. Mas, quando a autora conta a história de como o Homem Pálido surgiu, aí sim eu fiquei incomodada.
Contextualizando as missões e a fantasia
Pelo que eu entendi, existem pequenos contos antes dos principais capítulos, e todos eles se relacionam com o passado do mundo subterrâneo, com o Fauno, ou contextualizam uma das missões que Ofélia vai ter que realizar.
Nenhuma dessas informações estão no filme, e foram produzidas originalmente para o livro, como uma forma de dar mais camadas e contextos para a fantasia do Labirinto do Fauno. E eu achei bastante rico e interessante ver como esses contos se refletiam na história que vinha logo a seguir.
Falando de finais, mas sem spoilers (eu acho)
Como eu falei, ainda não vi o filme dO Labirinto do Fauno, mas acredito que a história de Funke seja uma novelização muito próxima do que acontece na película. E Del Toro é um autor aparentemente bastante melancólico em suas obras.
Tome A Forma da Água (que tem resenha aqui no blog) como exemplo. Você tem um encaminhamento para um final bastante triste e quase desesperançoso. A mesma coisa acontece aqui em O Labirinto do Fauno. É como se ele não tivesse muita esperança em finais “felizes” tradicionais, e precisa sempre fazer você sofrer um pouco para conseguir ter sim algum tipo de redenção
Mas é sempre às custas de muita tristeza e sofrimento. Não sei se assim os finais podem ser mais emotivos e motivacionais, com uma leve sensação de fé no futuro, mesmo que ele seja sombrio.
Melancólico, extremamente adulto, pesado em alguns pontos principalmente quando o capitão está à frente do capítulo, O Labirinto do Fauno é um livro de fantasia completamente diferente das minhas expectativas. E que ainda assim, me conquistou ao longo de todas as suas páginas.
Até a próxima! o/
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