Este é o mar
Intrínseca
série ---
176 páginas | 2019
Lendas do rock nunca fenecem. E tudo porque entregaram a vida às Luminosas, seres atemporais que se alimentam dos aspectos mais pungentes da devoção humana. Kurt Cobain? Lenda criada por Violeta. Sid Vicious? Gina. Jim Morrison? Marianne. No universo de Este é o mar, se tornar uma verdadeira lenda do rock envolve seres mitológicos femininos e um mundo intenso e sombrio, marcado pelo esquecimento e pelas lembranças que atravessam gerações.
Helena é uma das responsáveis por manter a engrenagem do fanatismo a todo vapor, incitando os jovens fãs humanos a darem tudo de si e a consumirem seu ídolo. No entanto, não quer ser apenas uma abelha operária. Para se tornar uma Luminosa, precisa criar uma nova Lenda. Agora, tendo a morte como aliada, sua missão é eternizar James Evans, o vocalista da banda Fallen — uma árdua tarefa em meio à era da fugacidade dos desejos.
Após a repercussão de As coisas que perdemos no fogo, que consagrou o estilo da autora em unir horror a aspectos do cotidiano, Este é o mar traça na esfera do mitológico os aspectos mais perturbadores e indizíveis da essência humana. Um retrato visceral da adolescência e da nossa sociedade, que reafirma Mariana Enriquez como uma das vozes mais potentes da literatura argentina contemporânea.
Design
Vamos alinhar uma coisa aqui logo no começo: Este é o Mar é um livro desculpinha.
“Como assim, Samara?! De onde você tirou essa loucura?!”
O que eu quero dizer é que a história de Mariana Enriquez está mais para um “conto grande” do que pra um “romance”. O que significa que ela tem um volume menor de palavras para contar sua história. O que faz com que a editora tenha que criar um projeto gráfico meio grande para justificar a existência física do livro.
Eu sempre tenho que buscar no Google a diferença entre short stories, novelletes, novellas e novels, mas fica difícil ter certeza de em qual o livro se encaixa, porque não diz em nenhum lugar a quantidade de palavras pra gente poder confirmar. De qualquer forma, eu assumiria que Este é o Mar está entre uma short story ou uma novellete.
Ou seja, para que o livro tenha suas 176 páginas o projeto gráfico teve que dar uma leve abusadinha no tamanho das margens, das fontes e da entrelinha, de forma a espalhar o texto e criar “volume”.
Estou reclamando um pouquinho, e provavelmente deve estar soando como um rant sem motivo, então me desculpe por isso. Acho que eu só queria dividir que provavelmente, se eu tivesse comprado Este é o Mar, eu daria preferência para o e-book…
Acabei falando primeiro do miolo e não comentei da capa, né?
Você conhece a artista Brittney Lee?
Ela faz essas montagens/colagens de sobreposições de papéis, criando uma obra tridimensional MARAVILHOSA! As ondas na capa de Este é o Mar me remeteram AUTOMATICAMENTE à artista e não teve como não comentar sobre isso (e também foi uma desculpa pra colocar uma ilustração da Brittney no post :P)
De toda forma, por mais que eu tenha reclamado do livro ser fininho, eu gostei bastante dessa capa. O lance de colocar cada parte do título como se tivesse em uma das diferentes camadas de ondas da arte, e estivesse em movimento num mar bravio, é muito legal!
Fora todo o padrão cromático de azul e preto, com as letras em branco para criar um contraste, me atrai de uma forma muito agradável. Eu ficaria curiosa em pegar o livro na mão para saber um pouco da sinopse.
Além disso, o mar da capa invade a parte interna do livro, com uma chapada na parte interna da capa, integrando todo o azul na parte de dentro e de fora.
Reclamei? Reclamei. Mas no fim das contas, não tem como dizer que o projeto é ruim. Pode ser uma desculpinha, mas, como sempre, foi uma desculpinha muito bem executada. <3
História
E Zeus, deus do trovão e do relâmpago, se apaixonou por Mnemósine, a titã da memória, e de seu enlace nasceram as nove musas. Deusas responsáveis por inspirar os artistas e disseminar as melhores obras através de seus favorecidos.
Agora, imagine que as musas, de alguma forma, ainda estão por aqui entre nós. Só que de uma forma um tanto distorcida, talvez misturadas com um pouco dos mitos das sereias ou das súcubos. Imagine que elas não são mais nove, mas uma legião, e não mais responsáveis por inspirar, mas por se alimentar de todo o amor e veneração que os artistas geram em seus fãs.
Vampiras psíquicas em busca do próximo sucesso, da próxima lenda, do próximo deus.
Acho que mais do que contar a história de Helena em seu esforço em se tornar uma Luminosa, Mariana Enriquez conta a história de como os seres humanos precisam de algo a que adorar. Algo a que dedicar suas energias, seu amor, suas compulsões.
Se de alguma forma não entendemos as loucuras que os fãs fazem por seus ídolos, é só porque ainda não encontramos o ídolo para quem vamos dedicar toda nossa atenção.
É uma história sobre coisas que são de certa forma efêmeras. Sucesso, riquezas, atenção.
Não precisa ir muito longe. Quantas vezes eu já não “sofri” por não ter atingido o “sucesso” que esperava com o blog (porque eu sou total uma futura deusa da literatura, não é mesmo?!)?
Quantas vezes uma estrela em ascensão some na mesma velocidade (ou ainda mais rápido) do que quando surgiu? E quem realmente fica na memória? Quem realmente vai ser endeusado por seus seguidores?
Helena faz parte do Enxame. O Enxame é responsável por atiçar e incitar ainda mais todos os fãs de uma estrela. Mas Helena quer ser mais do que mais uma no Enxame. Ela sabe da existência das Luminosas, e ela quer chegar no patamar dessas “musas”.
Depois que Helena realiza um sacrifício e chama a atenção das Luminosas, ela finalmente pode abandonar o Enxame. O problema é que as Luminosas estão em declínio. Com a velocidade vertiginosa das redes sociais e o esforço necessário para manter uma estrela no foco das atenções, cada vez está mais difícil de criar um “deus”. Então Helena precisa conseguir criar sua lenda antes que as Imago roubem sua “presa”, e antes que as Luminosas comecem a desvanecer.
O catch aqui, e que eu não vou dar spoiler, é a forma como as lendas nascem. E Mariana Enriquez cria sua justificativa de uma forma impecável, misturando fatos reais que suportam toda a construção das Luminosas e de sua responsabilidade com suas estrelas.
Paralelamente à história de Helena, conhecemos também a vida de James, o vocalista da banda Fallen. E é possível encontrar semelhanças com diversos astros da música que se tornaram lendas “do lado de fora” do livro.
Com toda essa construção baseada no nosso contemporâneo, a história me lembrou também muito do realismo fantástico que Neil Gaiman criou com seus Deuses Americanos. No mundo de Helena não existem outros seres como elas, mas as Luminosas estão “vivas” há muito tempo, só que esse mesmo tempo ajudou com que se esquecessem de onde elas vieram.
Eu gostei bastante de Este é o Mar. Não sei se entendi direito o motivo do título durante a leitura, e provavelmente é culpa minha, mas não achei que o tamanho curto da história interferiu na qualidade do material. Porque, sim, esse é um “conto grande”. Daria tranquilamente para ler em um dia, num sábado maroto, friozinho e preguiçoso.
Gostei dessa “crítica” aos tempos efêmeros em que vivemos, com redes sociais e vidas ilusórias vendidas em fotos do Instagram. Fiquei com curiosidade de ler As coisas que perdemos no fogo e ver se Mariana Enriquez mantém a qualidade de seu texto.
Até a próxima! o/
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