A Filha Perdida
intrínseca
série ---
176 páginas | 2016
“As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender.” Com essa afirmação ao mesmo tempo simples e desconcertante Elena Ferrante logo alerta os leitores: preparem-se, pois verdades dolorosas estão prestes a ser reveladas.
Lançado originalmente em 2006 e ainda inédito no Brasil, o terceiro romance da autora que se consagrou por sua série napolitana acompanha os sentimentos conflitantes de uma professora universitária de meia-idade, Leda, que, aliviada depois de as filhas já crescidas se mudarem para o Canadá com o pai, decide tirar férias no litoral sul da Itália. Logo nos primeiros dias na praia, ela volta toda a sua atenção para uma ruidosa família de napolitanos, em especial para Nina, a jovem mãe de uma menininha chamada Elena que sempre está acompanhada de sua boneca. Cercada pelos parentes autoritários e imersa nos cuidados com a filha, Nina parece perfeitamente à vontade no papel de mãe e faz Leda se lembrar de si mesma quando jovem e cheia de expectativas. A aproximação das duas, no entanto, desencadeia em Leda uma enxurrada de lembranças da própria vida — e de segredos que ela nunca conseguiu revelar a ninguém.
No estilo inconfundível que a tornou conhecida no mundo todo, Elena Ferrante parte de elementos simples para construir uma narrativa poderosa sobre a maternidade e as consequências que a família pode ter na vida de diferentes gerações de mulheres.
design
Posso dizer que achei o livro fofo? Ele é naquele padrão da Intrínseca em dimensões menores, o que faz todo o sentido uma vez que a quantidade de páginas não funcionaria muito bem em um livro maior. Assim, são 176 páginas com uma mancha e fontes “grande”. Em um projeto “normal”, tudo teria que ser ainda maior para conseguir preencher uma quantidade de páginas que justificasse a encadernação.
Bem achei interessante essa ilustração da capa, com uma pegada meio cubista e cores quase primárias e vibrantes. Você consegue ter uma noção de como seria o vilarejo à beira mar para onde a personagem vai curtir sua liberdade.
Outra coisa que eu gostei bastante foi a fonte utilizada em todos os elementos textuais da capa. Ela tem uma pegada meio art deco ao reposicionar o “centro de gravidade” das fontes. Se vocês repararem no traço do meio da letra E, no traço horizontal do A e a posição de onde sai a perna do R, estão todos mais baixos do que em outras famílias de fontes. Essa era uma característica comum em fontes do estilo art deco. Só ficou faltando que a fonte fosse condensada. Aqui tem uns exemplos legais do que eu estou falando.
Além disso, o título e o nome da autora estão equilibrados em termos de hierarquia e ocupação vertical da capa. Acho legal isso, valorizar a autora sem desmerecer o título do livro em si.
Sobre o miolo, ele é bastante simples, principalmente porque ele tem que dar conta de preencher as 176 páginas do livro. Mas mesmo assim, a escolha da fonte foi muito acertada. Ela é bem bonita e bastante confortável para ler, mesmo em um tamanho um pouco “grande”. Isso faz com que o leitor tenha a sensação que as páginas passam mais rápido, já que você tem menos conteúdo em cada uma. As margens também são um pouco arejadas demais, para criar uma mancha gráfica mais apertada e empurrando o conteúdo.
Mais uma vez o conteúdo do cabeçalho foi deslocado para o rodapé, o que interfere pouco durante a leitura, mas atrapalha se você quiser stalkear a leitura de um desconhecido no metrô. XD
história
Não quero ter filhos. Essa é uma certeza intrínseca que eu tenho há muitos anos, provavelmente desde a minha adolescência. E já sofri muito por conta dessa minha decisão.
Era esperado que em pleno 2017 a gente já tivesse direito às próprias decisões e controle do nosso próprio corpo. Mas como todo mundo sabe não é bem assim.
A família não respeita nem aceita sua decisão. Amigxs/colegxs/conhecidxs que pretendem engravidar ou estão grávidas te olham como se você fosse um monstro sem coração, alguém que não merece confiança.
“(…) um filho é desejado com uma opacidade animal reforçada pelas crenças populares.” p.45
Você casa, vai para lua de mel, e quando volta a primeira coisa que QUALQUER PESSOA pergunta pra você é pra quando é o primeiro bebê… Veja bem, primeiro, porque a sociedade espera que você seja mãe/pai pelo menos duas vezes. Bem, não, não vamos ter filhos.
“(…) Aquela gente me irritava. Eu havia nascido em um ambiente como aquele, meus tios, meus primos, meu pai, todos agiam daquela maneira, com cordialidade prepotente.” p.30
“Você vai mudar de ideia”, “a natureza vai chamar, é o relógio biológico”, “você não vai dar netos para seus pais?”, “você nunca vai ter uma família completa sem filhos”, e a melhor de todas “você nunca vai ser uma mulher completa e realizada sem filhos”.
Cara… essa é a mais agressiva e pesada de todas. É como se toda a minha existência só servisse para trazer outros pequenos organismos vivos e humanos para a face da terra. Eu achava que já tínhamos passado da fase de popular a terra e deixado de ser simplesmente animais selvagens que procriam por conta de seus instintos.
Então, assim, o livro da Elena Ferrante foi uma porrada de “só vejo verdades”. Foram 176 páginas de uma personagem principal depressiva e angustiada com a dualidade do seu papel de mãe/mulher e como isso interfere na sua consciência de si mesma. O quanto ela perde sua individualidade ao deixar de ser uma mulher e passar a assumir o papel de mãe.
Foi um livro que me dava vontade de a toda hora anotar uma passagem interessante, de parágrafos de pensamentos profundos e que seriam extremamente criticados por virem de uma mulher, de uma Mãe.
Provavelmente as pessoas se apegam àquele ditado que diz que ser mãe/pai é padecer no paraíso, e minimizam toda a dor, tristeza, insegurança e incerteza que essas pessoas devem sofrer TODOS OS DIAS. É como assumir que, a partir do momento que duas pessoas assumem esse “contrato” de mãe/pai, eles nunca mais vão poder ter dúvidas ou reclamar do que pode vir pela frente.
“(…) Minha mãe se envergonha da natureza rude do meu pai (…). Mas ao primeiro conflito, a máscara caía e ela também aderia ao comportamento (…) com uma violência semelhante.” p.30
Eu particularmente acho que muitas pessoas não tem o “dom” ou a “vocação” para a maternidade/paternidade. Fazem/são por questões sociais, cobranças de família, “modismo”. Mas são egoístas, auto-centradas, individualista. Eu sou assim, eu reconheço. Então, não tem a mínima chance de me envolver nesse “trabalho” materno sabendo que eu vou falhar miseravelmente.
“(…) Como eu sofria por ela e por mim, como eu me envergonhava de ter saído da barriga de alguém tão infeliz.” p.30
“Mas ser mãe muda tudo, você vai sentir o maior amor do mundo pelo seu filho”, eu acredito que já achei o maior amor do mundo e estou plena e completamente feliz e satisfeita com ele.
No livro, além de todas as dúvidas maternais que Leda enfrenta ao se deparar com uma família complicada durante suas férias, ela ainda tem que lidar com lembranças amargas do passado. Uma das coisas mais interessantes no livro de Ferrante, é que ela mostra mulheres completamente críveis ao longo da história. Mostra amizade entre elas, empatia, mas também mostra que existe sim inveja, ciúme, raiva. Não porque são mulheres, mas porque são seres humanos e muitos de nós somos fadados a sentir esse sentimentos mesquinhos, independente do gênero.
Fala da dificuldade de lidar com a adolescência dos filhos (ô fase do DEMONHO ESSA, depois que você conseguiu sobreviver a ela). O momento em que o universo gira em torno dos nossos sagrados umbigos, e que TUDO vai contra nossas expectativas de vida. NADA do que um adulto disser vai ser válido ou trazer conforto. SEMPRE vai estar errado e não servir de experiência de vida. Eu não saberia lidar com um adolescente, e eu não sei como meus pais lidaram comigo e com meu irmão.
“(…) Palavras inúteis. Ela se achava não apenas menos atraente do que a amiga, mas também menos atraente do que a irmã, do que todo mundo, e ao me ouvir ficava ainda mais deprimida. Dizia que eu falava aquelas coisas porque era mãe dela, e às vezes murmurava: não quero ouvir você, mamãe, você não me vê como eu sou de verdade, me deixe em paz, vá cuidar da sua vida.” p.71
Sério… como alguém lida com isso?! Como se lida com toda a prepotência de um corpo recheado de hormônios e certezas aos 16 anos?! Provavelmente não se lida, se sofre por impotência…
“(…) Era o sentimento de culpa: eu achava que todo sofrimento que atingisse as minhas filhas era fruto do já comprovado fracasso do meu amor.” p.72
“(…) Os filhos são assim, às vezes amam com afagos, outras vezes tentam mudá-la totalmente, reinventando você, como se achassem que cresceu mal e que é dever deles ensinar a como estar no mundo, a música que você deve ouvir, os livros que deve ler, os filmes que deve assistir, as palavras que deve ou não usar porque são velhas, ninguém as usa mais.” p.132
Elena Ferrante mostra uma maternidade cheia de complexidades e competições entre mulheres. De quanto são melhores mães do que outras, de quanto querem mostrar que os filhos do outros preferem a elas. Ao mesmo tempo, mostra uma maldade das próprias crianças, ao mostrar às mães que também podem ser cruéis para conseguir aquilo que querem.
“(…) Entregou-se a Rosaria com um ímpeto exagerado de afeto, para marcar perversamente: a tia é melhor do que você, mamãe, a tia é mais boazinha, e se você continuar me tratando assim vou me refugiar para sempre nos braços dela e não vou querer mais você.” p.82/83
Sim, a gente acompanha a história pela ótica amargurada de Leda, para toda questão negativa que pode ser associada a qualquer tipo de relacionamento. Mas achei interessante a visão que ela tem de algo que TODO MUNDO só tem coisas boas para falar. É como se pudéssemos sempre colocar embaixo do carpete os momentos difíceis e complicados da maternidade/paternidade e esquecêssemos que eles existiram.
“(…) somos obrigados a fazer tantas coisas tolas desde a infância pensando que são essenciais.” p.100
Eu amei Elena Ferrante. Amei sua prosa descritiva, sua narrativa detalhada e envolvente, seus saltos temporais explicativos em um mesmo parágrafo, sua angústia e tristeza ao escrever de modo tão cru o sofrimento de uma mulher e sua dúvidas sobre suas certezas. Amei a velocidade e a tensão que construiu para seus personagens, a falta de confiança que podemos ter nas afirmações da protagonista, o ciúme, a inveja, a paixão. Amei como foi natural acompanhar a história de Leda e refletir diversas vezes. Porque a visão de Ferrante nesse livro se afinou com a minha visão pessimista e conformista. Porque “só vi verdades”.
“(…) As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender.” p.6
Até a próxima! o/
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