resenha

História da sua vida e outros contos – Ted Chiang

14 jan 2017
Informações

História da sua vida e outros contos

Ted Chiang

Intrínseca

série ---

368 páginas | 2016

4.5

Design 4

História 5

16

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Uma das principais vozes da ficção científica contemporânea pela primeira vez publicada no Brasil

Um dos autores de mais destaque no cenário da ficção científica, Ted Chiang pode ser descrito como um escritor pouco prolífico: tem apenas quinze trabalhos publicados, entre contos e novelas curtas. A pequena produção contrasta com sua expressiva quantidade de premiações: os oito textos reunidos em História da sua vida e outros contos ganharam no total nove importantes prêmios, dentre eles Nebula, Hugo, Locus, Sturgeon, Sidewise e Seiun.

Publicadas originalmente em volumes diversos, as narrativas de Ted Chiang estão pela primeira vez reunidas em uma coletânea. Entre as histórias dotadas de rigor científico, humanidade e lirismo estão “A torre da Babilônia”, na qual um minerador sobe a famosa torre com a missão de escavar a abóbada celeste; “Divisão por zero”, uma reflexão precisa e devastadora sobre o fim da esperança e do amor, e “História da sua vida”, na qual uma linguista aprende um idioma alienígena que modifica sua visão de mundo.

Com uma prosa límpida e ideias às vezes desconcertantes, Chiang comprova seu inegável talento para a boa ficção científica: a capacidade de contar uma história humana, extremamente bem escrita, na qual a ciência funciona como expressão dos questionamentos mais profundos enfrentados pelos personagens. Um livro repleto de ideias originais e passagens inesquecíveis.

Design

Acho que eu não gostei muito da capa de História da sua vida e outros contos. Não sei se essas fórmulas matemáticas formando o perfil de uma cabeça humana consegue passar a força e o valor que os contos dentro do livro realmente tem.

Se eu não estivesse motivada pelo filme, por saber que o autor ganhou uma cacetada de prêmios, provavelmente ignoraria completamente essa capa na livraria. Se você pensar bem é uma capa relativamente simples, com a cabeçona com o maior foco de atenção e todos os outros elementos textuais e a logo da Intrínseca amontoados no topo da arte. E ainda tem um outerglow ou um blur estranho que faz com que as letras sejam meio borradas…

Na quarta capa todo o elemento visual das fórmulas não é utilizado e só se mantém o degradê de amarelo a marrom e eu achei meio sem graça. De tantas capas maravilhosas que a Intrínseca costuma fazer ou adaptar, achei que essa não foi tão interessante.

Em compensação, o miolo está super bonito e correto. Não é realmente um projeto gráfico diferentão, mas a fonte é muito gostosa de ler, tem uma boa mancha gráfica e bom espaçamento entrelinhas. A diferença aqui é que a área do cabeçalho está livre e todas as informações do livro estão no rodapé: página, nome do autor e título do conto que você estiver lendo. É bom porque eu tenho a sensação que não interfere na fluidez da leitura, e ao mesmo tempo mantém a informação nas páginas. Só é um pouco apertado porque as informações do livro estão na parte interna da folha, e você talvez precise forçar um pouquinho mais para conseguir ler.

Vale dizer que eu achei super válido a editora ao invés de lançar uma capa do filme, ou colar uma etiqueta qualquer coisa sobre a arte original, fazer uma cinta para divulgar o lançamento do filme aqui em terras brasucas. <3


História

Não sou muito de ler contos. Sempre fui leitora de histórias longas, com muito background e desdobramentos da trama, com personagens que costumam ter um tempo maior para resolver suas jornadas. Mas depois de História da sua vida e outros contos talvez eu comece a rever meus conceitos.

Eu vivo dizendo que gosto de sci-fi, então além de livros, eu costumo ficar de olho em filmes e séries do gênero. Ano passado, um trailer em especial me chamou muito a atenção: Arrival/A Chegada.

Não era um filme cheio de explosões e aventuras emocionantes, mas tinha uma pegada mais contemplativa, uma coisa mais “científica” na relação entre os humanos e os extraterrestres. Depois descobri que o filme foi baseado em um conto do Ted Chiang, e que esse conto seria lançado em um livro junto com outros do mesmo autor pela Intrínseca.

Tomei a decisão de ver o filme primeiro. Eu queria ter a oportunidade de ir com a mente limpa, sem nenhum tipo de expectativa que eu poderia levar se tivesse feito uma leitura prévia. Traduzindo: não queria ter a experiência de ver o filme de Percy Jackson tendo lido toda a série primeiro, se é que vocês me entendem… u.u

Vi poucos filmes em 2016, mas achei A Chegada um dos melhores do ano em todas aquelas análises que pessoas mais inteligentes do que eu sabem fazer sobre um filme (porque, né… o que é a fotografia em um filme?! O.o). Pois bem… Minha relação com o filme foi tão boa que aí fiquei com a expectativa de ler o livro/contos.

E, assim, a maior parte do tempo a sensação ao longo da leitura e ao finalizar cada um dos contos era essa aqui:

Ted Chiang consegue pegar um tema e transformar em uma viagem filosófica muito impressionante, e algumas vezes, um pouco difícil de acompanhar. Eu podia fazer um apanhado geral de toda a experiência de ler História da sua vida e outros contos, mas achei mais interessante tentar falar um pouco individualmente de cada um dos contos. Espero que seja uma forma interessante de mostrar o quanto o livro é bom.

A Torre da Babilônia

O primeiro conto se passa durante a construção da torre da babilônia, algo como a bíblica torre de babel, aquela que os homens construíram tão alta de forma que pudessem chegar até delz. Na história que eu conheço, a torre foi destruída por delz e ele “amaldiçoou” a humanidade com a multiplicidade de línguas, de forma que os homens não pudessem se organizar novamente para tentar sobrepujar a divindade.

No conto acompanhamos um grupo de mineiros que foi chamado para ajudar na parte final da construção da torre, e sua jornada de meses subindo verticalmente a altura imensurável da torre para atingir o céu. A Torre da Babilônia é um esforço de milhares de homens e mulheres, ao longo de centenas de anos, para alcançar e chegar perto da morada de delz.

O interessante aqui são as construções que o autor cria para mostrar o quão alto os homens conseguem ir em suas empreitadas, o quanto se esforçam, do que abrem mão, e o quanto sua curiosidade e engenhosidade pode trazer respostas ou mais dúvidas para seu crescimento individual.

Em alguns momentos me lembrou um pouco o sentimento de Show de Truman, em que tudo era de certa forma irreal ou falso, até o momento em que Truman decide conhecer o que há além.

Além de tudo, a forma como ele constrói o ambiente e descreve a torre, as pessoas, os conceitos, a fé, são muito convincentes.

Entenda

Esse foi um dos primeiros contos que me deixou O.o. A ideia é que a medicina descobriu uma forma de expandir a capacidade mental dos seres humanos, e eles fizeram isso primeiro testando em pessoas que tinham algum tipo de coma vegetativo ou problemas associados a derrames leves.

A história gira em torno de Leon, que foi submetido a essa droga experimental e começou a perceber um aumento considerável em sua inteligência. Ele meio que atinge um patamar de genialidade e foge do experimento do qual participava. Leon passa a se dedicar à contemplação solitária da ciência, à busca de padrões e até mesmo desenvolve uma nova linguagem para poder expressar a quantidade de informação que agora consegue processar.

Mas não foi só Leon que conseguiu essa evolução, e ele pode ter um nêmesis que está atrás dele. O legal de Entenda é um pensamento de como você pode utilizar seus “poderes”.  Algo na pegada Homem-Aranha e Tio Bem de “com grandes poderes vem grandes responsabilidades”, sabe? Você seria um ermitão buscando a beleza no universo e se afastando da sua humanidade, ou gastaria todos seus esforços em melhorar a vida de outras pessoas? E além disso, será que esses dois pensamentos podem ou não coexistir em uma mesma sociedade?

Divisão por zero

É o primeiro conto que o autor trata de um relacionamento de casal. Cada parte é iniciada por um conceito matemático, seguido do ponto de vista do homem e da mulher da relação. Carl é professor de biologia e Renee, de matemática. Eles vivem um casamento degastado porque ela não conseguiu superar o desgaste mental e psicológico de uma comprovação matemática que desenvolveu. A gente acompanha tudo o que aconteceu até Renee ter seu transtorno, e o quanto isso afetou o seu casamento com Carl.

Eu achei o conto bom, principalmente por dar essa introduzida no tema do trecho com as questões matemáticas (que muitas vezes não faziam sentido pra mim… sério, não lembro nem mais de bhaskara…), mas não consegui tirar nenhum pensamento além de que um relacionamento pode acabar se não houver cumplicidade.

História da sua vida

Esse é o conto que baseou A Chegada e, apesar de ter gostado muito, acho que o resultado do filme foi melhor… Espero que essa sensação não seja porque eu vi o filme primeiro, mas a construção “linear” a qual o conto acaba ficando preso já que não dá pra mostrar mais de uma coisa ao mesmo tempo com frases, acaba limitando a experiência como ela é feita no filme. A não ser que o autor tivesse escrito o livro em heptápode. :P

Não quero entrar muito no mérito de falar muito desse conto, mais do que os outros, porque você pode querer ver o filme e isso pode estragar ambas as experiências. Mas assim, filme e livro tratam algumas coisas de formas diferentes, mas acredito que a mensagem dos dois vai além da questão do contato com extraterrestres. Eles são um pouco da “desculpa” para deixar um pensamento mais importante.

Se você tivesse conhecimento do futuro, e de tudo o que vai acontecer até chegar lá, você ainda faria tudo do mesmo jeito? Será que para saber do futuro precisamos abrir mão do livre arbítrio?

Setenta e duas letras

Esse foi o conto MAIS DIFÍCIL de entender. Principalmente porque o autor distorce algumas “leis” da ciência que a gente conhece como “certas”. Principalmente quanto à reprodução humana. Ele ambienta a história em uma Inglaterra aparentemente “steampunk”, mas não é bem esse gênero, porque as coisas não são movidas à vapor. Talvez o termo certo seja mais “golempunk” misturado com alguma coisa de magicpunk. :P

Existe uma mix de conceitos aqui que me lembrou bastante de Léxico, do Max Berry, onde as palavras tem poderes. No caso de Setenta e duas letras, de animar objetos inanimados. Existe uma ciência, religião e indústria que estuda as palavras certas para animar e fazer funcionar diferentes tipos de golens.

Então é uma mistura de “magia”, ciência “deturpada”, religião, e conceitos de linguísticas complicados que eu precisei dar um Google para tentar entender o conceito e o que os personagens estavam fazendo. Nunca tinha ouvido falar de aptônimos e epítetos, nada fazia muito sentido até eu tentar entender o significados da palavras. O conto gira muito em torno disso, de significados e nomes, e o quanto isso pode salvar ou destruir.

São muitas considerações feitas em um conto de 60 e poucas páginas e o que me deixou mais frustrada foi o final meio que aberto, que não me explicou praticamente nada de toda a viagem pseudo-científica feita ao longo da história. Inclusive, eu virei a página com a intenção de continuar a leitura, e qual foi minha surpresa ao descobrir que não tinha mais conto para ler?! =\

A Evolução da ciência humana

Esse é o conto mais curtinho e parece um artigo de revista. Nada demais aqui além de uma reflexão sobre a evolução humana mesmo.

O Inferno é a ausência de Deus

Acho que de todos os contos esse foi o meu favorito, muito por conta da visão sobre religião e sobre delz. No mundo de O Inferno é a ausência de Deus todo mundo sabe de sua existência, porque existem diversas manifestações de seu poder divino e visitas de anjos que trazem milagres ou maldições. O que resta aos seres humanos é decidir como vão se relacionar com essa informação: amando a delz, ou culpando-o pelos infortúnios que acontecem, algumas vezes por culpa dele.

A história segue três personagens principais: Neil, que nasceu com um problema em uma de suas pernas, mas nunca culpou delz por isso. Ele acredita que delz não tem nada a ver com seu defeito congênito, e Neil também nunca viu necessidade em criar um relacionamento com o divino. Até que sua esposa morre, praticamente assassinada, em uma aparição angélica.

A mãe de Janice foi banhada pela luz celestial do anjo Bardiel no oitavo mês de gestação e isso deformou o bebê, fazendo com que ela nascesse com barbatanas no lugar de pernas. Janice cresceu acreditando fielmente em delz, se tornando uma influenciadora e evangelizadora sobre o amor celestial. Até que ela tem um novo encontro com um anjo e tudo muda em sua vida.

Por último, Ethan foi criado em uma família devota, mas estava aguardando o grande plano que delz teria para ele. Ethan esperava pelo sinal divino de qual era sua missão na terra, enquanto tocava sua vida. Ele também tem uma experiência angelical e vai em busca do que ela pode significar para sua missão na terra.

Os três personagens vão se encontrar ao longo da história para poder gerar o conflito de visões sobre suas experiências com o celeste. E as soluções para cada um deles, a crítica sobre o amor divino e sobre a fé, a existência de um paraíso ou inferno, sobre se delz e os anjos são seres caprichosos, e sobre justiça divina, são a força motriz de todo o conto. Para mim, a melhor citação é a seguinte:

Deus não é justo, Deus não é bom, Deus não é piedoso, e entender isso é essencial para a verdadeira devoção. (p.304)

Gostando do que vê: um documentário

Por último, um conto sobre vaidade, culto ao corpo e à beleza, e padrões estéticos que nos são impostos pela mídia. A ideia aqui é que um dos principais culpados por problemas de relacionamento, de inveja, competição e agressões psicológicas é a beleza. É um dos principais fatores para discriminação pela aparência física.

Nesse mundo, neurologistas desenvolvem uma forma de replicar uma característica mental, que não impede a percepção visual, mas que interfere na capacidade de se reconhecer o que se está vendo. Isso faz com que as pessoas passem a apresentar uma condição de caliagnose, que permite a identificação de um rosto, mas que a pessoa afetada não experimenta uma reação estética ao que vê.

A história é contada em formato de blocos de entrevistas com diversos personagens que tem visões diferentes sobre a disseminação da cali entre todas as pessoas. A universidade de Pembleton quer tornar uma exigência que os alunos passem a ter o dispositivo instalado. Temos a opinião de médicos, professores, alunos da faculdade sobre essa exigência. Alguns são favoráveis, outros contrários. É interessante ver que algumas pessoas consideradas bonitas gostariam de ter a cali, para que fossem vistas como pessoas, e não como um rosto bonito.

Por exemplo: uma das personagens tem dúvidas se os caras que se aproximam estão interessados nela ou em sua beleza, e com a cali ela teria certeza que sua aparência não interferiria nas escolhas.

As entrevistas mais interessantes são de Tamera, que viveu a vida toda com a cali e só na faculdade, ao desligar o dispositivo, percebeu que era uma menina bonita. Seus questionamentos sobre como lidar com sua beleza recém descoberta, em como utilizar esse novo “poder” para reconquistar o ex-namorado (que também era caliognóstico), e o quanto desligar a cali gera dúvidas sobre ter sido uma boa decisão, são as partes mais envolventes do conto.

Acho que o mais importante foi o quanto ele mexeu comigo, e o quanto eu gostaria de que todos tivéssemos nossas calis pessoais ligadas o tempo todo… u.u


História da sua vida e outros contos não é um livro para ser lido somente uma vez. Com a complexidade dos conceitos que Ted Chiang desenvolve em cada história é óbvio que existem camadas que não vão ser nem arranhadas em uma primeira leitura. Em todos os contos ele sempre consegue colocar questões científicas envolvidas em uma trama maravilhosa que tornam todas as histórias mais reais e mais críveis.

Então, sim, eu quero muito pegar esse livro de novo para ler. Mas dessa segunda vez eu quero ler de uma forma em que possa sentar e me dedicar a cada conto integralmente e individualmente, sem a interrupção da chegada de uma estação de metro onde eu tenho que saltar, ou do sono que não me deixa virar mais uma página.

Recomendo TREMENDAMENTE e INCONDICIONALMENTE. Realmente o autor merece cada um dos prêmios que acumula com todos os contos que já escreveu.


Até a próxima! o/

Livro de parceria com a editora Intrínseca


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2 Comentários

  • Responder Davi Miranda 29 dez 2017 at 14:07

    Achei ótima a sua resenha e concordo muito com várias de suas impressões (como o fato de a história do filme ter um resultado melhor que o do livro, por exemplo, apesar de achar interessante o aprofundamento de certos conceitos no conto). Talvez ‘A Torre da Babilônia’ seja o conto que mais impressionou e, por ser justamente o primeiríssimo do livro, me empolgou bastante pra ler os demais.

    Recentemente voltei a fuçar informações sobre o livro e descobri que a capa da Intrínseca foi apenas uma adaptação da versão original em inglês. Ainda assim (e como você já observou), antes isso do que lançar uma capa com o cartaz do filme, optando-se pela cinta com essas informações (o que aliás deixou a versão brasileira chamativa e atraente para o consumidor, sem precisar apelar pra capa-cartaz). :)

    • Responder Samara Maima 14 jan 2018 at 20:34

      Oi Davi! Que bom que você curtiu a resenha! :D
      Acho que ‘A Torre da Babilônia’ ser o primeiro conto deve ser proposital, pra já deixar o leitor impressionado com a qualidade de escrita e a inventividade do Ted Chiang. Lendo seu comentário confesso que me deu vontade de reler o livro, só para re-experimentar a jornada que é acompanhar os contos.

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