resenha

Entre o Céu e a Terra – Timothée de Fombelle

6 out 2015
Informações

entre o céu e a terra

timotheé de fombelle

melhoramentos

série vango #1

360 páginas | 2015

4.5

Design 5

História 4

Salvar a pele e, ao mesmo tempo, descobrir a própria identidade. Este é o grande desafio de Vango, o jovem herói do novo romance do escritor francês ‘Timothée de Fombelle’. Ao ler esse thriller histórico, ambientado no conturbado período entre as duas grandes guerras mundiais, somos impelidos a fugir com Vango pelos cinco continentes, num clima de absoluto perigo e suspense. Este rapaz órfão de 19 anos desconhece sua origem assim como desconhece a motivação do franco atirador que, além da polícia, está em seu encalço. Deparamo-nos com Vango na solenidade em que ele e outros seminaristas seriam ordenados padres na suntuosa catedral de Notre-Dame, em Paris. O assassinato do padre Jean, seu protetor, desencadeia a perseguição ao rapaz, que empreende uma fuga espetacular ao escalar nada menos do que os famosos vitrais da catedral. Essa cena é apenas um exemplo do clima de perseguição e aventura de que é feita toda a narrativa, quando acompanharemos nosso protagonista em situações e lugares improváveis – como um intruso escondido num caça da SS, galopando nas Terras Altas da Escócia, dependurado num vulcão italiano ou sobrevoando o Brasil e vários outros lugares num zepelim. O fracasso em não ter sido ordenado padre deixa nosso herói arrasado, mas a jovem Ethel fica bem feliz. É ela quem vai ajudar Vango a provar sua inocência e descobrir sua identidade. Também fazem parte da saga outros personagens marcados por vidas cheias de segredos, como Mademoiselle, a Senhora Poliglota e sem memória com quem Vango é salvo do naufrágio na costa da Sicília aos três anos de idade e Hugo Eckner, personagem verídico, comandante alemão do Graf Zepelin, esse grande dirigível que fascinou o mundo nas primeiras décadas do século XX. Outras personalidades incorporadas à história são Joseph Stalin, sua filha Svetlana e Adolf Hitler.

Design

Estamos em final de setembro e eu ainda considero o projeto gráfico de Vango como um dos melhores do ano. Além de ter uma contextualização estética com o período histórico, o projeto trouxe algumas diferenças na forma forma de definir áreas de construção  do miolo que me surpreendeu positivamente.

Começando pela capa. Com o final da Primeira  Guerra o movimento artístico que ganhou força foi o Artdeco. Suas principais características gráficas eram desenhos com viés industriais, com desenhos bastante estilizados e geométricos mas ricos em cores. É  bem o que temos na ilustração de capa de Vango. A escolha das fontes para o título do livro também tem tudo a ver com esse estilo deco, principalmente o entre o céu… com um estilo alongado e condensado muito utilizado em pôster de publicidade da época.

A arte se esparrama para a quarta capa dando continuidade para a “história” contada na ilustração, e deixar que ela seja o principal elemento, com até mais importância que a sinopse e um quote foi bem interesse.  Pena que não  há  marcação de volume, a história de Vango continua em um segundo livro. Detalhe para a parte interna da capa com uma chapada de laranja e desenhos de nuvens.

Vango - Sumário

O miolo foi a surpresa do livro. Não  me lembro de ter avaliado um livro que tivesse sido impresso em sépia. Ficou tão bonito, todo o conteúdo estar numa cor diferente do preto que eu me peguei sorrindo da primeira vez que abri o livro. Todo o cuidado estético com o estilo artdeco continua no miolo, nas fontes de aberturas  de partes, com uma arte de página inteira e elementos decorativos na mesma fonte da capa.

Vango _ Abertura de parte

As páginas de aberturas de capítulo tem uma arte individual, com o número do capítulo bem grande, ocupando 1/3 da página, o título do capitulo em fonte deco e uma coluna de miolo mais estreita, com mais ou menos 2/3 da largura da mancha normal.

Vango - Abertura de Capítulo

A fonte em si é um pouco grande para o meu gosto pessoal, mas está adequada, bastante legível e elegante em relação a ocupação da página e a entrelinha do texto. O cabeçalho, diferente de outros livros, trás o nome do livro e o do capítulo que você está lendo, e não o nome do autor. Acho uma escolha interessante apesar de preferir o padrão titulo/autor. A fonte deco também aparece no cabeçalho e nas páginas no rodapé.

Além disso, em dados momentos é inserido um mapa ou fotografia para ajudar no contexto da história. No final doca livro, um anexo ajuda a unir a ficção de Vango com os fatos históricos do entre guerras, em um projeto gráfico singular diferente do resto do miolo.

Fiquei muito feliz com a oportunidade de ler e analisar o projeto de Vango. Livros assim deixam minha veia de designer um tico mais feliz. :D


História

Vou começar a resenha de Vango com uma declaração bombástica. Fui uma péssima aluna de História durante o colégio. Não porque eu não gostasse do tema. Sempre achei história mundial um assunto muito interessante (mas confesso que não ligava para História do Brasil), só que tive professores que não eram envolventes e a matéria virou mais uma obrigação de decoreba do que realmente entender os meandros das ligações políticas/sociais/geográficas/históricas entre os acontecimentos.

Foi só no cursinho pré-vestibular que eu pude retomar o gosto por história, com professores mais interessados em realmente fazer com que os alunos aprendessem. Tudo bem que não lembro de praticamente nada. Datas, fatos históricos, personagens… sei de nada. =/ O que é uma pena, faz com me sinta uma anafalbeta histórica funcional. u.u

Por exemplo: eu sabia da explosão do dirigível de Hindenburg, que usava hidrogênio para inflar o balão e que é extremamente inflamável, mas não fazia ideia que um outro dirigível, o Graff Zeppelin, deu a volta ao mundo e inclusive passou por algumas cidades do Brasil. Isso em 1929, ano da Grande Depressão americana.

zeppelin-no-rio-de-janeirovia Lugares Esquecidos

E apesar de livros como Vango me fazerem relembrar do meu “defeito”, ao mesmo tempo conseguem construir um envolvimento para mim como nenhum outro livro “histórico”.

Além de colocar os personagens em um momento entre guerras, Timothée de Fombelle ainda envolveu seus protagonistas com personalidades que realmente existiram. Vango se relaciona com pessoas reais que tiveram papel durante a Segunda Guerra Mundial, e no fim do livro existe até um “glossário” contando um pouco mais da história dessas personagens.

É um pouco como Bernard Cornwell faz em seus livros, e é muito agradável de ler uma história que está dentro da História, envolvida por fatos reais que dão ainda mais credibilidade para a ficção.

Já disse que não gosto muito de histórias de guerra, e um dos meus medos em Vango fosse que o livro descambasse para o lado sofrido e dramático dela. Mas como na verdade estamos no entre-guerra, toda a construção na verdade tem um quê muito maior de aventura, espionagem, “teoria da conspiração”, movimentação política, muito mais do que entrar no mérito da guerra em si.

Livros como A menina que roubava livros, O Diário de Anne Frank, O Menino de Pijama Listrado, todos lidam com o lado pior da guerra, o drama das pessoas sofrendo com a perseguição, a carnificina, o ódio. E é disso que eu não gosto. Mexe muito comigo ver o quanto o ser humano deu (e continua dando) errado, então eu prefiro o lado aventuresco da guerra. A intriga política, a espionagem, as fugas mirabolantes. Se vocês viram Indiana Jones e a Última Cruzada sabem exatamente o que eu quero dizer.

Vango me deu exatamente isso. Um rapaz sem passado, criado por uma babá a quem ele só chama de Mademoiselle e que lhe deu uma criação bastante “erudita”. Vango é um personagem misterioso e independente, e é em volta de suas andanças pela Europa de 1929 – 1935 que a história é construída.

Os personagens coadjuvantes também são muito interessantes, principalmente as jovens mulheres. Ethel e Gata, são cada uma em seu momento, muito independentes, fortes e determinadas. Nem parecem meninas de 16 e 14 anos, respectivamente.

Os recursos de Vango também impressionam. Ele é bastante capaz, fala várias línguas e tem amigos influentes, que tentam a todo custo ajudá-lo, inclusive Ethel e Gata. Ethel inclusive tem um passado triste, por também perder seus pais muito nova, e encontra em Vango um reflexo de sua tristeza, um amigo durante sua viagem no Graff Zepelin, e um amor platônico durante a adolescência.

Isso também é interessante. Timothée não constrói sua história em cima do paixão dos jovens, ela é extremamente secundária, talvez uma força motriz para Ethel continuar sua jornada em busca de Vango. Mas o segredo do passado do rapaz, seu envolvimento em um assassinato, ser perseguido em vários lugares diferentes da Europa e ameaçado de morte, enquanto a Alemanha começa a ser dominada pelos nazistas é um plot muito mais forte do que o romance que pode vir a existir entre Vango e Ethel.

Recheado de ação, o livro tem alguns momentos mais lentos quando os personagens esbarram com revelações e flashbacks do passado, mas mesmo assim, a história não perde o ritmo envolvente que constrói ao longo de suas 360 páginas. O estilo de Timothée é muito agradável de acompanhar e ele escreve em terceira pessoa, possibilitando uma visão externa de vários núcleos que desenvolvem a história, não só o que está acontecendo com Vango.

Espero que a Melhoramentos não demore muito para lançar o segundo volume da duologia, terminar a história em um cliffhanger sem perspectivas de descobrir o final é muito angustiante!


Até a próxima! o/

Este livro foi enviado pela Editora Melhoramentos.


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