resenha

O Círculo – Dave Eggers

17 abr 2015
Informações

o círculo

dave eggers

companhia das letras

série ---

528 páginas | 2014

3.75

Design 4

História 3.5

Encenado num futuro próximo indefinido, o engenhoso romance de Dave Eggers conta a história de Mae Holland, uma jovem profissional contratada para trabalhar na empresa de internet mais poderosa do mundo: O Círculo. Sediada num campus idílico na Califórnia, a companhia incorporou todas as empresas de tecnologia que conhecemos, conectando e-mail, mídias sociais, operações bancárias e sistemas de compras de cada usuário em um sistema operacional universal, que cria uma
identidade on-line única e, por consequência, uma nova era de civilidade e transparência.

Mae mal pode acreditar na sorte de fazer parte de um lugar assim. A modernidade do Círculo aparece tanto na sua arquitetura arrojada quanto nos escritórios aprazíveis e convidativos. Os entusiasmados membros da empresa convivem no campus também nas horas vagas, seja em festas e shows que duram a noite toda ou em campeonatos esportivos e brunches glamorosos. A vida fora do trabalho, porém, vai ficando cada vez mais esquecida, à medida que o papel de Mae no Círculo torna-se mais e mais importante. O que começa como a trajetória entusiasmada da ambição e do idealismo de uma mulher logo se transforma em uma eletrizante trama de suspense que levanta questões fundamentais sobre memória, história, privacidade, democracia e os limites do conhecimento humano.

Design

Não é muito difícil de adivinhar qual foi o primeiro motivo para eu escolher O Círculo como uma leitura. Laranja e designers tem uma relação de amorzinho que é difícil explicar. Na minha época de faculdade, sempre que podíamos colocávamos algum elemento laranja no projeto, e se misturado com cinza, tá lá, o produto mais modernozo dos últimos 15 minutos.

Então sim! Essa capa laranja neon “ai meus olhos” foi o motivo para eu chegar perto do livro em um dia de passeio na Cultura do Centro. O símbolo com essa tinta metalizada também tem bastante culpa junto com a capa praticamente tipográfica. Pessoas, entendam, tipos é amor! <3 Além de tudo, ele ainda tem verniz localizado no título/nome do autor e acabando em soft touch, para agarrar minhas gorduras e ser mais um prazer tátil durante a leitura.

Gostei bastante da escolha de fonte para o título/nome do autor, apesar de ser de uma família sans-serif, ela tem os cantos arredondados e é engraçado porque me dá a sensação de algo moderno ao mesmo tempo que me lembra coisas tecnológicas e fontes de monitor de fósforo (sim sou velha). Vai entender essas coisas… Lombada, orelhas e quarta-capa dão continuidade para a identidade iniciada na capa, de laranja/preto/prata, mas eu teria gostado ainda mais do projeto se a parte interna da capa tivesse sido pintada de cinza. Não necessariamente uma chapada de prata, porque faria o preço do livro ficar proibitivo, mas um cinza ou até mesmo um preto “básico” ia ser um super diferencial.

Preciso comentar que eu preferiria se o livro tivesse dimensões maiores. Acho que assim o volume total de páginas diminuiria, porque assim a possibilidade de ocupação da mancha gráfica seria maior. Apesar de ser um livro de tamanho pequeno ele é meio pesadinho por conta das 528 páginas. A encadernação pelo menos é resistente e não quebrou a lombada nem arregaçou o livro enquanto eu estava lendo.

O livro não tem capítulos e foi uma experiência meio estranha passar praticamente todas as páginas em “um capítulo só”. Era quase como se eu não tivesse uma pausa, um respiro dentro da história, aquela levantada de olhos e suspirada para pensar em como a personagem é bocó. Em dado momento você acaba se acostumando, mas eu sempre ficava na expectativa de quando o assunto ia terminar para começar outro.

Sobre o miolo ele é bem correto apesar de não possuir o cabeçalho que eu tanto gosto. Até entendo que para uma mancha tão espaçosa como a utilizada no livro, inserir um cabeçalho comeria uma área importante de conteúdo. A fonte é um pouco grande, mas com uma boa entrelinha que balanceia a ocupação e os brancos da página. Uma das coisas que eu ando gostando e preferindo é quando as editoras resolvem usar aspas ” ” para marcar os diálogos. Eu particularmente acho mais fácil de acompanhar do que com travessões, que ficam reservados para inserção de apostos, por exemplo. Poderia ser uma prática mais utilizada pelas editoras em geral.


História

Falar de O Círculo vai ser uma coisa complicada. Ler O Círculo foi de certo modo angustiante, tanto pela personagem principal que é insuportavelmente vazia quanto sobre todas as reflexões que o autor faz ao longo da história usando essa personagem insípida.

O Círculo fala sobre informação, privacidade, anonimato, direitos e deveres; sobre como um mundo com tanta informação disponível o tempo todo pode gerar tão pouco conhecimento. Como todos podemos ser foco do holofote dos 15 segundos de fama quando portamos celulares que fazem praticamente tudo (menos ligar para as pessoas que realmente importam :P). Como todos queremos ser ouvidos, mas que numa sociedade em que todo mundo fala e ninguém escuta não há harmonia e real troca de informação.

Fala sobre transparência e segredos. Como todos temos que ser transparentes sobre tudo que fazemos na vida e como os segredos, ao não abraçar a transparência, nos transformam em mentirosos. Fala de controle e de poder, de como o volume de informações pessoais que empresas de internet tem de todos é assustador e de como nós ativamente colocamos esses dados naturalmente disponíveis pela rede.

Entendem como é angustiante? Além de seguir Mae ao longo das páginas, o que é algo meio cansativo porque ela é bem chata e com a profundidade de uma poça d’água, você é bombardeado por essas “realizações”, de que nós mesmos nos colocamos à mercê das empresas digitais. Mae é uma esponja, na maior parte do tempo ela é simplesmente uma jovem ovelha, que segue o rebanho e balança a cabeça quando mandam e não questiona nada. Ela quer ser ouvida, ela quer se sentir inserida na comunidade do Círculo, e para isso faz as coisas mais absurdas possíveis, mas totalmente desejadas e consideradas normais por todos que estão à sua volta.

Na maior parte do tempo Mae está sofrendo uma lavagem cerebral gradual, ao mesmo tempo que é entupida de tarefas e metas e novas telas e novos gadgets, e consumo, e interaja, e mais mais mais. Ela passa de uma jovem querendo um emprego estável e que dê uma graninha, a uma alucinada por sua meta de 98/100 na Experiência do Cliente e se manter entre os 2.000 mais influentes compartilhadores de abobrinhas das redes sociais do Círculo. Seus relacionamentos reais, que acontecem fora do ambiente corporativo com seus pais e um ex-namorado, trazem a personagem para o “mundo real” e para o convívio com pessoas de verdade. Na maior parte das vezes são cenas meio tensas porque eles não estão no mesmo ritmo e muito menos alinhados com os pensamentos atuais de Mae.

Pinky e o Cérebro

Ela acaba se transformando no fantoche ideal para que as cabeças pensantes e que querem “dominar o mundo” a utilizem como a garota-propaganda. Ela abre mão de sua individualidade e privacidade, e consequentemente a de todos ao seu redor, na crença de que “compartilhar é cuidar”. Toda essa escalada na homogenização da sociedade que mora no Círculo, e de todos que acreditam e seguem as tendências lançadas pelos funcionários da empresa, é um tanto alarmante e desconcertante.

Eu passava as páginas vendo o volume de novas tarefas que Mae recebia e não via nenhum questionamento da jovem. Sério, acredito que se eu entrasse em um emprego que alguém me dissesse que minha meta diária é no mínimo 95 em 100, e que se eu baixasse para 93 por exemplo, deveria procurar meus superiores para melhorar meu trabalho, eu pedia demissão. E se, além dessa meta eu tivesse que, obrigatoriamente, dar conta de manter meu facebook/twitter/instagram atualizado e ativo, além de interagir/curtir/comentar no maior número possível de posts tanto da minha rede social quanto da profissional para melhorar meu rank de participação… Se eu tivesse que participar de todas as reuniões sociais, todos os dias, e ainda justificar a ausência caso tivesse sido diretamente convidada para alguma coisa que não me interessa… Já viram o tamanho dessa bola de neve do inferno social?!

Além disso, temos o volume de dados tratados ao longo da história, que é assustador. Em certo momento o autor descreve quantas interações, fotos, mensagens, curtidas, descurtidas e muitas outras ações a personagem faz num curto espaço de tempo. É muita informação. É informação para mais de uma vida. Para vocês terem uma ideia, em 29/3 o site World Wide Web Size listava que existem 4.95 BILHÕES de páginas na internet. Isso mesmo, BI-LHÕES. Eu já estou deprimida.

Uma das coisas que o autor também trata ao longo da história é exatamente sobre o volume de informação. Ninguém tem como dar conta de todos esses dados que existem por aí, e na verdade, a gente provavelmente não precisa de todas as informações do mundo todo ao mesmo tempo agora. Mas é a “sede do saber”, são as coisas que estão interligadas e que puxam novos links e te jogam para a página seguinte, e você entra no giragira infinito e já se passou a manhã e já está na hora do jantar.

Por mim, Mae só serve como um personagem gancho, que leva o leitor por todas as reflexões ao longo da história. Em si, ela não acrescenta nada. Não existe um suspense ou uma tensão fora você pensar em todas as consequências dos atos das pessoas do Círculo. O único mistério é bem simples de deduzir logo no começo da história e quando é revelado você só confirma o que já sabia. Só achei interessante e ao mesmo tempo irritante o fechamento do livro, mas foi bom porque o autor conseguir me surpreender… um pouco. É um livro denso, uma narrativa lenta e pesada em alguns momentos, mas que exprime algumas questões que refletem muito nosso comportamento atual na internet, na vida e tudo o mais.

Não sou de marcar quotes de livros, normalmente porque estou no metro enquanto leio e fica complicado de anotar qualquer coisa, mas dessa vez, como terminei a leitura em casa, separei alguns trechos que achei interessantes, para fechar o pensamento da resenha.

“(…) Aqui não existem opressores. Ninguém está nos forçando a fazer isso. Nós nos atrelamos espontaneamente, de boa vontade, a essas amarras. E de bom grado nos tornamos socialmente autistas. Não ligamos mais para os sinais básicos de comunicação humana. Você está diante de uma mesa com três seres humanos, todos olham para você e tentam falar com você, mas você fica olhando para uma tela, em busca de desconhecidos que estão em Dubai.” (p.278-279)

“(…) Porque existia tanta animosidade no mundo? E então ocorreu a Mae, num lampejo breve e sacrílego: ela não queria saber como eles se sentiam. O lampejo se abriu para algo mais amplo, uma ideia sacrílega, a ideia de que seu cérebro continha coisas demais. Que o volume de informações, dados, julgamentos, medições era demasiado e que havia pessoas demais e desejos demais de gente demais, e opiniões demais de gente demais, e dor demais de gente demais, e ter tudo isso constantemente cotejado, coligido, somado, reunido e apresentado a ela, como se assim tudo se tornasse mais organizado e mais manobrável – era demais.” (p.435)

“(…) Eles querem que todo mundo tenha uma conta no Círculo e estão bem avançados no caminho de tornar ilegal não ter uma conta no Círculo. O que vai acontecer depois? O que vai acontecer quando eles controlarem todos os mecanismos de busca e tiverem pleno acesso a todos os dados de todas as pessoas? Quando eles souberem de todos os movimentos que todo mundo faz?” (p.510)

“As pessoas, em sua maior parte, trocariam tudo o que sabem, trocariam todo mundo que elas conhecem, trocariam tudo isso para saber que foram vistas, e reconhecidas, que elas talvez até possam ser lembradas. Todos sabemos que vamos morrer. Todos sabemos que o mundo é grande demais para que sejamos importantes. Portanto só nos resta a esperança de ser vistos, ou ouvidos, ainda que só por um momento.” (p.513)

São coisas para se pensar. Será que já não vivemos em uma sociedade “dominada” pelo Círculo; será que não estamos deixando de lado os relacionamentos reais pelos virtuais; será que não perdemos a noção e o limite de nossa privacidade? Será?… O.o


Até a próxima! o/

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