o doador de memórias
arqueiro
série o doador #1
189 páginas | 2014
Em O doador de memórias, a premiada autora Lois Lowry constrói um mundo aparentemente ideal onde não existem dor, desigualdade, guerra nem qualquer tipo de conflito. Por outro lado, também não há amor, desejo ou alegria genuína.
Os habitantes de uma pequena comunidade, satisfeitos com a vida ordenada, pacata e estável que levam, conhecem apenas o presente – o passado e todas as lembranças do antigo mundo lhes foram apagados da mente.
Um único indivíduo é encarregado de ser o guardião dessas memórias, com o objetivo de proteger o povo do sofrimento e, ao mesmo tempo, ter a sabedoria necessária para orientar os dirigentes da sociedade em momentos difíceis.
Aos 12 anos, idade em que toda criança é designada à profissão que irá seguir, Jonas recebe a honra de se tornar o próximo guardião. Ele é avisado de que precisará passar por um treinamento difícil, que exigirá coragem, disciplina e muita força, mas não faz ideia de que seu mundo nunca mais será o mesmo.
Orientado pelo velho Doador, Jonas descobre pouco a pouco o universo extraordinário que lhe fora roubado. Como uma névoa que vai se dissipando, a terrível realidade por trás daquela utopia começa a se revelar.
Design
Eu completamente entendo a decisão editorial e de marketing de uma editora quando ela decide relançar um livro com a capa replicando o poster do filme que acabou de estrear no cinema. A editora não é uma instituição de caridade, ela vive de vender os livros que produz. Então, quando ela coloca o poster na capa ela ajuda possíveis leitores que gostaram ou se interessaram pelo filme a comprar o livro em que a película se baseia. A identificação fica muito mais fácil para as pessoas.
Só que, vamos combinar, não faz sentido algum eu ficar fazendo análise de capa de poster de filme. E por mais que eu entenda, eu particularmente não costumo gostar dos resultados finais dessas alterações (com uma ressalva para a capa de Um Dia). Então vou pular direto para o miolo.
Que também não é muito diferente da grande maioria dos livros publicados pela Arqueiro. Eu gosto de dizer que é um miolo funcional. Ele tá ali para ser lido e por isso é extremamente correto, mas não tem nenhuma inovação ou diferença de outros livros. Minha reclamação de praxe cabe aqui: o livro não tem cabeçalho para que possamos stalkear a leitura alheia. Aqui eu até entendo que foi para um melhor aproveitamento da mancha e da página. Além disso, fotos de internet sempre enganam a gente, já que nunca temos um parâmetro de comparação, por isso me assustei um pouco ao perceber que O Doador de Memória é um livro com dimensões bem menores do que o que a Arqueiro costuma produzir. Completamente justificável quando você vê que o volume total de páginas é beeeem pequeno.
Então, é um livro fofo e leve, se levar em consideração seu tamanho, mas só.
História
Sabem… hoje estou com 33 anos (beirando os 34) e mesmo tendo, talvez, passado da idade que “deveria” ler YA (segundo uma tia americana aí), alguns desses livros ainda conseguem mexer comigo e me deixar pensativa ao terminar a leitura. O Doador de Memórias foi um desses.
Aos 33 anos percebi que uma das coisas que mais me entristecem ultimamente é que eu não tenho mais fé nos seres humanos. Não tenho mesmo, não acredito que as coisas “vão melhorar” e talvez isso me torne extremamente conformada. Muitas vezes, em termos “sociais”, eu simplesmente vou levando. E com “vou levando” eu quero dizer que tento cada vez mais me relacionar cada vez menos com pessoas. Explico.
Se você já utilizou o transporte público, independente de onde more, você pode entender o que estou dizendo. Se você dirige, e precisa se estressar no trânsito caótico das grandes cidades, você também pode entender. Se você já fez compras no supermercado e enfrentou fila, também tem chance de entender. E se você já precisou ser atendido em uma loja ou lugar que oferece algum tipo de serviço de terceiros, muito provavelmente já se sentiu como eu me sinto. Você teve que se relacionar com pessoas. E pessoas, Pessoas, são o que me faz sofrer demais hoje em dia.
Muitas pessoas são ruins, más, agressivas, grosseiras, oportunistas, abusadas, falsas… e ter que se relacionar com elas ou vê-las agindo dessa forma é tão triste e frustrante, e muitas vezes estraga todo o seu humor pelo resto do dia, ou pelo resto da vida como no meu caso. Não estou dizendo que eu não tenha facetas negativas, todos nós temos. Mas depois de ler O Doador de Memórias e ver o que uma sociedade onde todos foram “uniformizados”, onde todos são “iguais”, não possuem sentimentos fortes, e que tudo é definido e escolhido para você, e onde a memória do passado não é dividida por todos, uma vez que ela gera caos e desigualdade e insegurança, fico me perguntando se algumas dessas coisas não seriam parte uma utopia em que eu gostaria de viver. O.o
Eu bem sei que criatividade e inovação só existem em ambientes onde as pessoas possuem liberdade de escolha. Mas como o próprio livro diz, como saber se as escolhas que serão feitas não serão ruins ou erradas.
Viver em uma sociedade onde algumas Cerimônias marcam os dias e as datas festivas, onde o sentido de individualismo/egoísmo é bastante limitado, onde as pessoas são extremamente zelosas e educadas. Mas ao mesmo tempo, onde a “mesmice” e a rotina se instalam, onde não existem questionamentos, onde as pessoas não enxergam cores…
Na Comunidade de Jonas, em um futuro aparentemente muito distante, todos vivem em harmonia. Cada pessoa tem o seu papel definido, e ele é escolhido e apontado em uma Cerimônia, quando as crianças atingem 12 anos. Os anciãos da Comunidade indicam o que cada criança tem como aptidão e definem um trabalho para cada uma. Alguns são bem vistos, outros não são tão desejados por terem uma conotação mais servil.
No dia da Cerimônia de Jonas, ele é pulado durante as atribuições, e em pânico, acha que será expulso. Entretanto, ele foi escolhido para ter aulas com o único guardião das memórias do passado da Comunidade. É uma profissão solitária e triste, que Jonas aceita mas que lhe traz problemas. Porque ele passa a ter conhecimento. Conhecimento que gera perguntas, questionamentos, incertezas, tristezas e solidão, que o faz se sentir diferente de todos uma vez que ele não pode dividir suas experiências com ninguém. Conhecimento que permite Jonas começar a enxergar além do véu da paz e tranquilidade que aparentemente envolve sua Comunidade.
Ao terminar o livro me peguei desejando muitas coisas da Comunidade onde Jonas vive, mas ao mesmo tempo não sei se conseguiria abrir mão de amar, ou de sentir desejo, ou de ver cores. É uma sensação de certa forma ruim, de dicotomia, em que eu desejaria muitas mudanças, mas não conseguiria perder várias coisas que me fazem um indivíduo único. Então, para vocês perceberem a complexidade da coisa, toda as experiências ruins com a humanidade e a sociedade me fazem querem implodir tudo e me refugiar em um futuro distópico “monótono”. Mas ao mesmo tempo que eu quero a igualdade, eu tenho medo de deixar de ser eu. Confuso. Difícil.
Um dos pilares da história criada por Lois Lowry é que quem detém informação é a pessoa que possuiu maiores “poderes e responsabilidades”. Quando você priva o povo, a sociedade, as pessoas, de informações, de memória, de compreensão geral, quando você limita o espectro de alcance do que você pode entender ou aprender, você diminui o interesse, a vontade de mudança, a necessidade do novo. Você impede o crescimento e a evolução.
A história mexeu bastante comigo. Acho que desde que terminei A Esperança, último livro de Jogos Vorazes, eu não fechava um livro e ficava tão contemplativa e precisando de um tempo para digerir todas as emoções que a história me gerou. O único ponto ruim foi o final em aberto. Realmente não gosto quando os autores deixam sem uma conclusão satisfatória todo o desenvolvimento da história. #frustrada
Outras resenhas da série
Até a próxima! o/
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2 Comentários
Por vezes, tenho indagações muito parecidas com as suas. Acho que é o peso da idade, nos fazendo refletir rs
Eu perco minha fé nas pessoas, mas ainda não cheguei ao ponto de perder as esperanças; ainda quero acreditar que é possível mudar, apesar de ser difícil…
Só.fiquei curiosa pro 3,5 da nota do livro (tirando design); se foi somente pelo final em aberto (e, pelo visto, há uma continuação), ou se foi por outros fatores.
Beijinhos!
Foi bastante pelo final aberto, Ize, mas também pela forma como o clímax foi conduzido. As ações de Jonas no arco final da história me irritaram, suas escolhas e decisões também. E eu já posso adiantar que, apesar de ter saído um segundo volume da série, ele não continua a história de Jonas. É uma história completamente diferente. =/