resenha

Um Amor Incômodo – Elena Ferrante

12 abr 2017
Informações

Um Amor Incômodo

Elena Ferrante

Intrínseca

série ---

176 páginas | 2017

4.25

Design 4

História 4.5

16

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Aos quarenta e cinco anos, Delia retorna a sua cidade natal, Nápoles, na Itália, para enterrar a mãe, Amalia, encontrada morta numa praia em circunstâncias suspeitas: a humilde costureira, que se acostumou a esconder a beleza com peças simples e sem graça, usava nada além de um sutiã caro no momento da morte.

Revelações perturbadoras a respeito dos últimos dias de Amalia impelem Delia a descobrir a verdade por trás do trágico acontecimento. Avançando pelas ruas caóticas e sufocantes de sua infância, a filha vai confrontar os três homens que figuraram de forma proeminente no passado de sua mãe: o irmão irascível de Amalia, conhecido por lançar insultos indistintamente a conhecidos e estranhos; o ex-marido, pai de Delia, um pintor medíocre que não se importava em desrespeitar a esposa em público; e Caserta, uma figura sombria e lasciva, cujo casamento nunca o impediu de cortejar outras mulheres.

Na mistura desorientadora de fantasia e realidade suscitada pelas emoções que vêm à tona dessa investigação, Delia se vê obrigada a reviver um passado cuja crueza ganha contornos vívidos na prosa elegante de Elena Ferrante.

Design

Apesar de não ser uma série, a Intrínseca criou uma linha gráfica para os dois livros recentes da Elena Ferrante. Eu fiz uma análise bem detalhada na resenha de A Filha Perdida, falando sobre o estilo de ilustração e escolhas tipográficas. Dá uma olhadinha lá para ver mais informações.

O que eu achei interessante aqui em Um Amor Incômodo foi essa multiplicidade de mulheres na capa, mostrando diversas “facetas” de uma mesma personagem.


História

Engraçado que levando em consideração o início da história e o livro anterior, eu tinha uma expectativa um pouco diferente de Um Amor Incômodo. Não que isso tenha atrapalhado o resultado da leitura, que foi muito interessante, mas ainda bem que não foi aquelas expectativas que levam a decepções.

Acho que eu estava esperando momentos mais “filosóficos” e contemplativos que encontrei em A Filha Perdida. Também pode ter sido que o tema sobre maternidade de Leda tenha conseguido criar um pouco mais de vínculo comigo do que os problemas de Delia com a mãe.

Delia é uma personagem mais difícil e complexa do Leda porque, em sua narrativa em primeira pessoa, quase não dá para ter certeza do que ela está falando. O quanto podemos acreditar que o que ela está contando, ou até onde ela está contando, é verdade.

É como se ela mostrasse facetas da verdade ao longo do caminho. Até que acontecia alguma situação e ela via a necessidade de dar mais um pouco de informação para uma verdade que ela apresentou algumas páginas atrás. Isso faz com que Delia acabe sendo uma personagem não-confiável, o que gera muitas suspeitas durante a leitura.

Achei que aqui teríamos a visão sobre o relacionamento (doentio) entre uma filha e sua mãe, um paralelo diferente do livro anterior que era a história da mãe em relação à sua família. E o começo de Um Amor Incômodo até que foi um pouco assim.

Delia tem um certo “cansaço” da mãe, e parece ser a única das irmãs (ela tem outras duas) que se relaciona com ela. A história começa um pouco antes da notícia da morte de Amalia, a mãe de Delia, e esta começa a ter algumas reminiscências de sua infância e adolescência crescendo com os pais.

“Havia cortado laços com todos os parentes para evitar que, em cada encontro, lamentassem no seu dialeto o grande azar da minha mãe e disparassem ameaçadoras vulgaridades sobre o meu pai.” (p.54)

Na visão de Delia, seus pais são agressivos, mas o pai é muito machista e controlador, e por isso espanca Amalia com frequência. Delia nunca conseguiu ter realmente intimidade com a mãe e passa alguns momentos sem saber se deveria estar se sentindo quase feliz por ela ter morrido.

“Talvez eu quisesse tentar estabelecer entre nós uma intimidade que nunca existira, talvez eu quisesse confusamente fazer com que ela soubesse que eu sempre fora infeliz. Mas ela só parecera ter achado muito divertido o fato de eu ter ficado suspensa no vazio, em um elevador decrépito.” (p. 22)

No fundo essa não é só a história da morte da mãe de Delia, mas também uma história sobre desamor, infelicidade, machismo, assédio, inveja, ciúme e agressão doméstica. É a história de como as famílias sempre tem algum tipo de problema, mesmo debaixo de uma máscara de comercial de margarina.

Descobrimos através das lembranças de Delia que sua mãe viveu praticamente confinada dentro de casa por um marido dominador e possessivo, que a agredia por qualquer motivo, e sem muitas explicações. Isso gera em Delia um ódio pelo pai a ponto de não falar com ele há mais de 10 anos.

“Estapeou-a na frente de todos; na nossa frente. (…) Eu tinha certeza de que ele mataria o homem e não entendi por que, em vez disso, a esbofeteara. (…) Talvez para puni-la por ter sentido no tecido do vestido, na pele, o calor do corpo de outro homem.” (p.64)

“Mas nós, por outro lado, pensávamos que ele, por tudo que fazia com ela, devia sair de casa uma manhã e morrer queimado ou esmagado ou afogado.” (p.57)

Algo que não é muito explorado é seu relacionamento com suas irmãs. Aparentemente Delia queria tanto fugir de sua cidade natal e de sua família, que o afastamento de suas irmãs acabou sendo natural e esperado. Já no relacionamento com a mãe, por incrível que pareça, Delia não consegue se decidir se está feliz com a liberação do “fardo”, ou se um dia vai conseguir superar a perda da pessoa que ela sempre se inspirou e invejou.

“Percebi que estava perdendo minha mãe para sempre e que era exatamente aquilo que eu queria.” (p.65)

“Nenhum ser humano jamais se desligaria de mim com a mesma angústia com que me desliguei da minha mãe apenas porque nunca consegui me apegar a ela definitivamente.” (p.78)

Em dado momento a história deixa de seguir a angústia de Delia e seu passado com a mãe para refletir uma certa tensão do agora, e do motivo da morte de Amalia. O livro vira quase um thriller com direito a perseguição e suspeitos. A violência contra a mulher que Delia é nessa parte chega a ser física e emocional. Ela passa a receber a agressividade que era direcionada à mãe.

Mas como eu disse, Delia não é confiável e tem muitos segredos sombrios para confessar para o leitor até a última página.

“Eu não era nenhum eu. E estava confusa: não sabia se o que eu estava descobrindo e contando para mim mesma, agora que ela não existia mais e não podia retrucar, me causava mais horror ou prazer.” (p.78)

Acho que o que me conquistou definitivamente em Elena Ferrante é a forma como ela mistura, em uma sequência de fatos, presente e passado, sem deixar o leitor confuso. O que ela consegue nessas sequências é realmente construir pra gente a imagem da personagem e do seu emocional. Todos os pilares que a tornaram o que é ao longo da história.

Suas mulheres não são confiáveis, mas ao mesmo tempo são totalmente críveis e fiéis em suas instabilidades e inseguranças. Suas histórias são tão verdadeiras quanto as que vivemos fora das páginas. E isso conquista e envolve o leitor de forma a passar pelos percalços junto com as personagens, porque, afinal, não há como fugir de uma certa identificação com o que está sendo jogado na sua cara. Permite aguentar todos os socos no estômago. Faz com que a gente acredite em suas verdade, mesmo que elas sejam chocantes e assustadoras.


Até a próxima! o/

Parceria com a Editora Intrínseca

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