resenha

As Mil Noites – E.K. Johnston

28 set 2016
Informações

as mil noites

e.k. johnston

intrínseca

série as mil noites #1

320 páginas | 2016

4.5

Design 5

História 4

Clássico da literatura universal, as histórias de As mil e uma noites estão no imaginário de todos — do Oriente ao Ocidente. É impossível que alguém nunca tenha ouvido falar sobre Ali Babá e seus quarenta ladrões, ou sobre Aladim e o gênio da lâmpada. Ou sobre Sherazade, a mulher sagaz e inteligente que se casou com um homem cruel, e, por mil e uma noites, driblou a morte narrando contos de amor e ódio, medo e paixão, capazes de dobrar até mesmo um rei. Em As mil noites, a história se repete, mas com algumas diferenças…

Quando Lo-Melkhiin chega àquela aldeia — após ter matado trezentas noivas —, a garota sabe que o rei desejará desposar a menina mais bela: sua irmã. Desesperada para salvar a irmã da morte certa, ela faz de tudo para ser levada para o palácio em seu lugar. A corte de Lo-Melkhiin é um local perigoso e cheio de beleza: intricadas estátuas com olhos assombrados habitam os jardins e fios da mais fina seda são usados para tecer vestidos elegantes. Mas a morte está à espreita, e ela olha para tudo como se fosse a última vez. Porém, uma estranha magia parece fluir entre a garota e o rei, e noite após noite Lo-Melkhiin vai até seu quarto para ouvir suas histórias; e dia após dia, ela continua viva.

Encontrando poder nas histórias que conta todas as noites, suas palavras parecem ganhar vida própria. Coisas pequenas, a princípio: um vestido de seu lar, uma visão de sua irmã. Logo, ela sonha com uma magia muito mais terrível, poderosa o suficiente para salvar um rei…

design

Acho que eu já tenho que começar a fazer minha lista dos livros mais bonitos do ano, porque As Mil Noites precisa estar nela. Tudo bem que a arte não é original da Intrínseca, mas é tão maravilhosa que vale analisar como se fosse porque, afinal, tem todo o trabalho de adaptação.

Uma das coisas mais lindas dessa capa é o padrão cromático. Porque esse púrpura/roxo misturado com o verde-água e com os dourados é muito lindo, e me remete demais àquele momento do dia que ainda não é noite noite, mas o sol já se pôs, sabem? Em que tudo fica meio arroxeado no céu. Acho que é meu horário favorito do dia, porque o céu fica muito feminino e ainda mais bonito. Me faz pensar na deusa grega Nyx…

Não sei muito bem qual é a da pena na capa, porque sendo muito sincera, não lembro de ter nenhum elemento relacionado na história. Só se faz alguma alusão à liberdade perdida por todas as moças na história… #inspirada

Outra coisa linda da capa. Por mais que eu particularmente não curta muito essas frases vendedoras competindo com os outros elementos, a de As Mil Noites não está “agredindo” o layout e ainda tem um detalhe a mais. A fonte que escolheram para o texto me remete demais a livros de contos de fadas ilustrados e mega antigos. Sabem quando os filmes da Disney começavam com um livro aberto e a frase “em um reino distante…”? Então! Essa fonte me lembra bastante as usadas nesses livros!

Disney's Cinderella

Abertura de Cinderela. A fonte aqui é um pouco mais gótica do que a da capa de As Mil Noites, mas acho que deu pra entender o que eu quis dizer.

Em oposição a essa fonte mais “vintage” e cheia de recordações, o título e o nome da autora foram escritos com fontes muito mais modernas, a sans-serif Futura, e em caixa alta. Detalhe para o cuidado em colocar um arabesco da pena formando o O da palavra “noites”. <3

Mais coisas maravilhosas! O hot stamping dourado permeando todo o projeto, desde a capa (no título e no nome da autora), lombada (em um elemento floral), e na quarta capa em toda a sinopse, que ok, não é bem uma sinopse. Mas está LINDO! E na quarta capa ainda tem o castelo de Lo-Melkhiin em uma noite estrelada! MORRENDO AQUI. Arrematando tudo isso, acabamento de soft touch para ficar bem engorduradinho, mas que dá toda uma qualidade sensorial ao livro.

E vocês acham que acabou?! Na parte interna da capa, além de uma chapada de roxo, ainda tem uma aplicação de um padrão que lembra muito as texturas e padrões árabes, usadas em mosaicos e naqueles portais dentro de castelos, sabem?

intrinseca_mil-noites_pattern

Agora o miolo. Ah, Pessoas, o miolo é de uma beleza tão delicada e elegante que só vendo. Existem duas estruturas de miolo, uma para os capítulos onde a protagonista está avançando a história, e outra para quando o “demonho” de Lo-Melkhiin conta um pouco sobre sua vida/imortalidade.

Nos capítulos da protagonista, as aberturas apresentam o padrão árabe na parte superior, o número do capítulo escrito por extenso na mesma fonte de livro de conto de fadas da capa (<3), e uma capitular sutil que se estica para as letras seguintes. A ocupação das páginas é muito boa, com margens equilibradas, uma fonte muito delicinha de ler (adorei essa Bartira, ela tem um Q maravilhoso) e ótima entrelinha.

Já nos capítulos do “demonho” algumas coisas são diferentes. O padrão ocupa mais verticalmente a parte superior da página, o número do capítulo é marcado em numerais romanos, a capitular realmente está presente marcando o início do primeiro parágrafo e é em uma fonte linda!, e todo o texto é em itálico, para visivelmente mostrar que é outra pessoa que está contando a história naquele momento.

Sério. Lindo DE-MAIS!


história

Sabem poesia em prosa? É o que eu senti enquanto lia As Mil Noites. A história contada pela jovem sem nome que se sacrifica em nome do amor que sente pela irmã é simplesmente feminina, poética e bela, ao mesmo tempo que é envolvida na força da fé e do amor que permeia as personagens do livro.

É uma história de mulheres e homens anônimos que vivem sob o jugo de um rei que fez sua nação prosperar às custas das mortes de centenas de jovens que casaram com ele.

Um dos únicos personagem que é nomeado em As Mil Noites é Lo-Melkhiin e vemos sua história por dois pontos de vistas: pelos olhos da última jovem que ele “pega” para esposa, e pela visão do “demonho” que possuiu seu corpo.

As Mil Noites é uma história sobre amor fraternal, auto-sacrifício e sobre como existem dois grandes poderes que se equiparam e se equilibram, mas que podem ser desarmonizados se um deles for mais ganancioso.

É uma história sobre o feminino e o masculino. Sobre criação e destruição. E sobre como tudo isso poderia (e deveria) ser balanceado e equilibrado para trazer paz e prosperidade. É uma história também sobre o poder do deserto e da natureza, de como ela pode ser implacável e bela ao mesmo tempo. Nas descrições da autora você consegue perceber a areia, o poder do sol, e o valor da água.

Existem várias histórias sobre Lo-Melkhiin, de como ele era um grande caçador que acabou se tornando uma outra pessoa depois que foi possuído por um demônio. E esse demônio que está dentro do corpo do rei se fortalece ao ver seu sofrimento quando mata cada uma das esposas que entraram em seu qasr. Eles dividem o mesmo corpo, e o verdadeiro Lo-Melkhiin não consegue lutar para se livrar da influência do demônio e é mantido em constante tormento por ser um prisioneiro dentro do próprio corpo.

Todas as cidades e aldeias do reino sabem que o rei pode chegar a qualquer momento, exigindo a jovem mais bela para se tornar sua mais nova esposa. E todos sabem que a jovem que for levada estará morta em pouco tempo. Suas famílias irão erguer altares em sua memória e a transformarão em uma deusa menor para relembrar seu sacrifício.

Uma das coisas mais importantes para a autora é mostrar o quanto as irmãs dessa história se amam. Um amor sem cobrança e despretensioso, que traz felicidade por saber que a outra está feliz. Não há inveja entre elas, e as duas sabem que sempre vão estar juntas. Até o dia que sua aldeia se torna o alvo de Lo-Melkhiin para a escolha de sua nova noiva. A Protagonista sabe que sua irmã será a escolhida e que já aceitou seu destino, de que provavelmente estará morta no dia seguinte. E isso é uma coisa que nossa heroína não pode permitir.

Ao tomar o lugar de sua irmã a Protagonista passa a ser reverenciada por sua família como uma deusa menor ainda em vida, e isso, de alguma forma, permite que ela consiga resistir ao seu marido e à morte iminente. É como se ela fosse empoderada, como mulher e como deusa menor, pela fé que sua família e as pessoas que sabem que ela ainda vive colocam nela. Isso e sua capacidade de tecer histórias sobre sua irmã para envolver Lo-Melkhiin.

Diferente da história que conhecemos de Sherazade, a jovem não conta histórias sobre personagens fantásticos, mas ela sobrevive a cada noite encantando Lo-Melkhiin com a personalidade exuberante da irmã que salvou de suas garras, e com um poder que ela não sabia que possuía. Mas apesar de entender que é isso que a mantém viva, eu não consegui perceber o tempo passando, a não ser quando a personagem dizia há quanto tempo estava sobrevivendo ao marido. Não dá para ter noção direito das “mil noites” se passando.

É interessante ver que somente alguns homens do qasr de Lo-Melkhiin tem nome, e eles foram “batizado” pelo rei por suas qualidades inatas. É como se fosse uma forma de mostrar que o poder masculino transforma os homens em pessoas que podem ser reconhecidas por seu valor e por seu trabalho.

Isso é uma coisa interessante na história. Lo-Melkhiin consegue influenciar homens que ele percebe que possuem algum potencial natural. Artesãos, sacerdotes, matemáticos. Aqueles que Lo-Melkhiin toca recebem uma compulsão incontrolável para a criatividade, que muitas vezes podem ser auto-destrutivas. E é um poder que só funciona em homens. As mulheres que Lo-Melkhiin tenta influenciar perdem sua capacidade de criar e produzir.

Como um contraponto, nossa heroína é um poder feminino de criação pela gentileza. É uma influência que extrai o melhor da criatividade sem trazer a destruição atrelada de alguma forma, como Lo-Melkhiin faz. E é interessante ver como os dois acabam percebendo que de alguma forma, para o bem ou para o mal, eles se complementam.

É uma história bem construída, com uma narrativa poética e feminina, com desenvolvimento sutil do conhecimento da jovem heroína sobre seus poderes, sobre quem é Lo-Melkhiin e aquilo que o está possuindo, que termina em um clímax interessante, mas que tem um cheiro de happy ever after, e não sei bem se é o que eu gostaria/esperaria. Os diálogos que a jovem e o rei tem são bonitos e apaixonantes, assim como a visão dela de praticamente tudo em sua vida no qsar.

Eu achei o final bem fechadinho, apesar de levemente acelerado, e não vi muito motivo para uma nova história. Só que o segundo livro se passa gerações depois da história de As Mil Noites, e talvez seja interessante ver o que aconteceu com um aspecto específico do fechamento do livro.


Até a próxima! o/

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